Uma máquina processual de ódio em ação
por Fábio de Oliveira Ribeiro
Abaixo transcrevo o pedido formulado pelo PL na mais nova ADPF que aquele partido ajuizou:
(e) seja, ao final, julgado procedente o pedido e declarada, em definitivo, a não recepção parcial dos dispositivos, especificamente em relação a seus preceitos secundários, pela Constituição Federal de 1988, impondo-se, em contrapartida à odiosa prática dos crimes previstos nos arts. 125 e 126 do Código Penal, as mesmas penas corporais relativas ao crime de homicídio qualificado.
Tal pedido é juridicamente impossível, pois as normas de Direito Penal não podem ser aplicadas de maneira analógica. Existe uma distinção fundamental entre homicídio e aborto: no primeiro caso a vítima tem consciência de sua própria existência e pode eventualmente se defender da injusta agressão. Um feto não tem nem consciência e sua dependência da mulher que o abriga orgânica é total.
Se o STF não atentar para essa distinção que torna impossível juridicamente atender o pedido do PL, fatos corriqueiros passarão a ser tratados como homicídio ou suspeita de homicídio. Uma mulher grávida de 6 meses escorrega e cai dentro de um supermercado ou shopping e bate violentamente o ventre no chão. Se ela abortar quem terá cometido o crime de homicídio?
É fato cientificamente comprovado e incontestável: mulheres desnutridas podem sofrer abortos espontâneos. O PL tem se posicionado radicalmente contra todos os programas sociais governamentais que visam garantir a segurança alimentar da população brasileira. Caso o STF atenda o pedido formulado na presente ação, o presidente do PL será considerado responsável por todos homicídios correspondentes aos abortos causados por desnutrição?
O absurdo jurídico a que levaria a procedência do pedido é evidente.
No fundo, devemos suspeitar que estamos diante de mais um caso de abuso do direito de ação. O PL ajuizou a ADPF 1087 como um meio para um fim. Mas o que ele realmente quer não foi e não poderia ser objeto do pedido. Aquela ação foi provavelmente ajuizada apenas para os parlamentares do PL poderem fazer proselitismo político contra o aborto. Ninguém deverá ficar surpreso se eles utilizarem a previsível improcedência do pedido para acusar publicamente o STF de ser favorável ao homicídio de inocentes indefesos. Afinal, a máquina de ódio ainda não foi desligada como disse a Ministra Rosa Weber em um de seus últimos pronunciamentos como presidente e ministra do STF.
Os algoritmos das redes sociais utilizadas por líderes do PL para desinformar a população e mobilizar a massa ignara contra a democracia e as instituições democráticas foram desenhados para impulsionar conteúdos que geram grande engajamento emocional. A tragédia que ocorreu na capital do Brasil em 08 de janeiro de 2023 não pode ser ignorada. Portanto, não é mais possível o STF fazer vistas grossas para o rabbit hole que está sendo cavado mediante o uso político indevido do direito outorgado aos partidos de propor ADIs, ADCs e ADPFs.
A ADPF 1087 contém um pedido juridicamente impossível de ser atendido que foi formulado apenas para possibilitar ao PL alimentar sua máquina de desinformação na internet. Sendo assim, entendo que é preciso começar a colocar um freio na judicialização da política com a finalidade de permitir ao PL alimentar suas redes antissociais com discurso de ódio para comprometer a racionalidade da política e colocar em risco as instituições democráticas. Sendo assim, a presente ação não deve ser apenas julgada improcedente. Ela deve resultar na condenação do autor por litigância de má-fé. O direito de ação não pode ser transformado numa arma para a continuação da guerra política por outros meios.
Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.
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