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Sobre tributação global, por Paulo Dantas da Costa

Diplomacia internacional

Sobre tributação global

por Paulo Dantas da Costa

No encerramento da 18ª Cúpula de Chefes de Estado e de governo do G-20, em 12/09/2023, Nova Delhi, capital da Índia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que assumiu a presidência do Grupo, defendeu três prioridades: a inclusão social e a luta contra a desigualdade, a fome e a pobreza; o enfrentamento das mudanças climáticas e a promoção do desenvolvimento sustentável em suas dimensões econômica, social e ambiental; e a defesa da reforma das instituições de governança global, que reflita a geopolítica do presente.  No seu discurso na 78ª Assembleia Geral da ONU, 19/09/2023, o presidente voltou a expressar a mesma visão do mundo. No contexto apresentado pelo presidente brasileiro nas duas ocasiões, cabe aqui evidenciar os aspectos da pobreza, da fome e das instituições de governança global.

Parte das questões já haviam sido discutidas em setembro de 2015, em Nova York, quando os chefes de 193 Estados-Membros da ONU aprovaram a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, composta de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) com os quais imaginaram resolver graves problemas até o ano 2030, a exemplo do “Objetivo 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares” e do “Objetivo 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável”.

As proposições do presidente Lula em “defesa da reforma das instituições de governança global, que reflita a geopolítica do presente” estão em linha com as atuais necessidades econômicas globais, em especial para dar conta das soluções daqueles dois importantes objetivos traçados pela “Agenda 2030” de acabar com a fome e a pobreza. Para tal finalidade, a mesma “Agenda 2030” deixou indicado o inaplicável esquema de financiamento dos projetos, contando com recursos correspondentes a 0,7% do PIB das grandes nações, mais 0,15 a 0,2% dos países em desenvolvimento, ou seja, recursos nacionais originados dos respectivos orçamentos. A ideia não tem se mostrado eficaz, dado que, transcorridos oito anos, nada significativo foi realizado.

As soluções para as questões relacionadas à fome e à pobreza necessitam de um elevado aporte de recursos financeiros, tendo em mente que não se deve contar com a generosidade das nações mais ricas para solução permanente e/ou continuada dos problemas, como previsto na “Agenda 2030”.

Em vista disso, cabe imaginar outras opções de financiamento, incluída a muito promissora possibilidade da implantação de um tributo internacional com boa base de incidência (volume de negócios), com características essencialmente internacionais, uma vez que o fato gerador a ele relacionado envolve agentes internacionais residentes ou estabelecidos em países diferentes, mesmo que eventuais operações sejam realizadas na mesma praça. A hipótese que se encaixa nessa configuração é um tributo internacional sobre todas as transações cambiais, a ser arrecadado em âmbito global, fora dos orçamentos nacionais.

Os que estudam a matéria, desde James Tobin, no começo dos anos 70, com a sua Tobin tax, já têm delineado o conjunto de elementos que configurariam um tributo sobre transações cambiais: hipótese de incidência, fato gerador, sujeito passivo, alíquota, base de cálculo, local da operação, o lançamento e a arrecadação, e o sujeito ativo da potencial relação fisco/contribuinte, que pode ser definido por meio de importantíssimo tratado envolvendo todos os países, observados parâmetros para uma nova governança internacional, como proposto pelo presidente Lula.

A indicada nova governança mundial poderia atuar na atividade financeira internacional buscando tributar o extraordinário fluxo financeiro global (hipótese de incidência), cujo fato gerador seria a realização de operações cambiais internacionais, tendo como sujeito passivo (o contribuinte) apenas o remetente do recurso. A base de cálculo seria o valor de cada operação, sobre o qual incidiria uma alíquota de 0,1% (muito se fala em alíquotas de 0,01% a 1%). O local da operação é sempre o país do pagador/remetente/investidor.

O lançamento e a arrecadação ficariam a cargo do necessário sujeito ativo que, no contexto de uma nova governança econômica global, poderia ser, sugestivamente, a própria ONU, pela instituição de um Alto Comissariado da entidade, destinado a gerir todo processo, incluída a definição dos destinatários, sejam países ou entidades (Acnur, FAO, OMS, entre outras), presumindo-se a necessidade da pactuação de tratado com ampla participação para tal fim.

A tributação aqui proposta não afetaria a livre movimentação de capitais, gerando arrecadação completamente fora dos orçamentos nacionais, uma vez que as operações têm características puramente internacionais. O sujeito ativo necessitaria da instalação de uma robusta plataforma de pagamentos eletrônicos, a exemplo da CLS Bank ou do Swift.

Além dos fins econômicos, a adoção de um mecanismo tributário internacional poderia contribuir significativamente no enfrentamento ao movimento de dinheiro sujo no mundo e o consequente esvaziamento dos paraísos fiscais, favorecendo, ainda, no combate à guerra fiscal, que existe entre países da Europa, na disputa por capitais financeiros em seus territórios.

A proposta é de que todas as operações cambiais sejam alcançadas pela tributação, inclusive as realizadas por bancos centrais.

O valor estimado para as poupanças internacionais é da ordem de US$ 550 trilhões, o que representa 5,4 vezes o valor do PIB mundial, estimado pelo FMI em US$ 101 trilhões para o ano de 2022. Nesse contexto, o BIS – Banco de Compensações Internacionais informa que um volume diário de operações cambiais da ordem de US$ 7,5 trilhões diários (valor médio das operações ocorridas em abril/2022), valor considerado modesto por alguns, a uma alíquota de 0,1%, resultaria numa arrecadação diária de US$ 7,5 bilhões, ou US$ 1,875 trilhão/ano, em 250 dias úteis, a ser aplicado pelo sujeito ativo nas nações mais pobres do mundo em ações nas áreas da educação, saúde, habitação, saneamento, questões climáticas e, principalmente, no combate à fome e à pobreza.

O fato é que a intensa internacionalização das relações econômicas resultou na criação de um ambiente propício para adoção da ideia. Além do que é fundamental uma resposta concreta para consecução dos Objetivos 1. Acabar com a pobreza até 2030 e 2. Acabar com a fome até 2030, que foram pactuados por 193 chefes de Estados-Membros da ONU quando da aprovação da “Agenda 2030”.

Paulo Dantas da Costa – Economista, presidente do Conselho Federal de Economia

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