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Sobre o Presidente Boric em Washington, por Nadejda Marques

Reprodução vídeo USA Today

Sobre o Presidente Boric em Washington

por Nadejda Marques

“Enquanto alguns ainda se atrevem a pedir às vítimas que silenciem o seu luto, que virem a página, atrevo-me humildemente a dizer-lhes que reconciliação só é possível com a verdade e com a justiça, não com o esquecimento.” Essas são palavras do Presidente chileno Gabriel Boric, em discurso neste sábado passado durante as homenagens ao diplomata chileno e ex-Ministro do governo Allende, Orlando Letelier. 

No dia 21 de setembro de 1976, na capital dos Estados Unidos, agentes da Diretoria de Inteligência Nacional (DINA) a mando do ditador Augusto Pinochet assassinaram Orlando Letelier e Ronni Karpen Moffit, defensora dos direitos humanos que trabalhava para o Instituto de Estudos Políticos (IEP). O atentado com uma bomba instalada no carro em que usavam é um exemplo emblemático do terrorismo transnacional e da crueldade do ditador Pinochet.

Desde o início, as investigações apontavam para o envolvimento direto de Pinochet no atentado, mas a CIA não revelou o que sabia por 40 anos até que, finalmente, os documentos referentes ao caso foram desclassificados. Nos Estados Unidos, sete pessoas foram processadas pelos assassinatos de Letelier e Ronni Moffitt. No Chile, em 1995, Manuel Contreras, oficial a serviço de Pinochet e diretor da DINA durante a ditadura, foi condenado a sete anos de prisão pelo assassinato de Orlando Letelier. No entanto, segundo informações públicas, Pinochet não teria sequer sido indiciado nesse caso, nem nos EUA nem no Chile.

No início do mês, em vários eventos públicos organizados em Santiago para a rememoração dos 50 anos do golpe brutal contra Allende e em defesa da democracia, uma ausência era gritante: a de representantes dos Estados Unidos. Dar uma de avestruz, escondendo a cabeça, fingindo que não está envolvido no assunto ou esperar que todos esqueçam não é boa estratégia para os Estados Unidos nem para ninguém. A democracia americana anda desgastada não só pelos ataques e a corrupção da última administração, mas também pelo histórico vil do governo americano incitando e apoiando golpes e governos autoritários pelo mundo. A memória, a verdade e a justiça fortalecem as democracias e, ciente disso, Boric, em seu discurso em Washington, pediu francamente que os Estados Unidos reflitam sobre o papel que desempenhou no golpe, durante a ditadura de Pinochet e em outras ditaduras pela América Latina.

Um pedido de desculpas também viria bem a calhar… De fato, um grupo de congressistas americanos dentre eles Bernie Sanders, Jamie Raskin, Alexandria Ocasio-Cortez e Tim Kaine já apresentou ao Congresso uma resolução para que os Estados Unidos peça desculpas pela atuação que teve durante o golpe chileno e que desclassifique todos os documentos relacionados a esse evento. Se a resolução for aprovada pelo Congresso, será o primeiro pedido de desculpas do governo americano pela sua atuação e apoio ao golpe e ditadura de Pinochet, um grande feito histórico de reparação intergeracional e internacional. Será que a resolução vai ser aprovada? Os Estados Unidos até hoje não se desculparam por bombadearem Hiroshima e Nagasaki nem por tantas outras atrocidades cometidas, mas pedir não custa nada e para tudo há sempre uma primeira vez.

Nadejda Marques é escritora e autora de vários livros dentre eles Nevertheless, They Persist: how women survive, resist and engage to succeed in Silicon Valley sobre a história do sexismo e a dinâmica de gênero atual no Vale do Silício e a autobiografia Nasci Subversiva.

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