Tradição de Munique atrai milhões. Mas festividades regadas a álcool também costumam ser palco de agressões sexuais. Ações para criar espaços seguros e incentivar comportamento respeitoso tentam mudar cenário.A Oktoberfest atrai anualmente multidões de foliões vestidos com dirndl ou lederhosen para cidade de Munique, no estado alemão da Baviera. O festival da cerveja, ou "Wiesn", como é conhecido entre os bávaros, porém, também pode ser palco de incidentes de assédio ou abuso sexual.
No passado, muitos desses casos eram simplesmente ignorados ou silenciados, muitas vezes por vergonha. Desde o debate #MeToo, contudo, a tolerância com casos de assédio vem diminuindo.
A campanha "Oktoberfest Segura" ou "Sichere Wiesn", apoiada pelo departamento de saúde da cidade de Munique, fornece auxílio às visitantes do sexo feminino em casos de assédio. Este ano, a campanha já prestou assistência a 143 mulheres e meninas que se sentiram inseguras durante a primeira semana do festival, incluindo sete casos suspeitos do golpe "boa noite, Cinderela" (a inserção de drogas na bebida de alguém sem consentimento).
Essas mulheres procuraram ajuda no chamado Espaço Seguro da Sichere Wiesn, localizado no recinto da Oktoberfest, atrás da tenda de cerveja Schottenhamel. Ele fica aberto diariamente durante a semana.
Desde 2003, o Espaço Seguro oferece ajuda, orientação e apoio a meninas e mulheres que sofrerem violência, assédio sexual ou que se sentem inseguras de modo geral. No local, as pessoas podem carregar seus telefones, denunciar a violência sexual à polícia, receber vouchers de táxi para voltar para casa, entre outros serviços. No ano passado, a equipe atendeu um total de 450 mulheres durante os 17 dias da Oktoberfest.
Atmosfera de sexualização e folia
"A atmosfera é realmente muito sexualizada. Muitas pessoas vêm aqui para flertar, para conhecer alguém e, desde que seja consensual, é totalmente ótimo", diz Kristina Gottlöber, porta-voz da Sichere Wiesn.
No entanto, Gottlöber também observa que o consumo excessivo de álcool na Oktoberfest favorece um clima de desinibição.
"As pessoas pensam que a Oktoberfest é uma espécie de zona livre de moralidade, onde você pode sair completamente dos trilhos", diz Gottlöber. "Também nos é comunicado com frequência que as mulheres 'simplesmente têm que suportar [a violência sexual], caso contrário não deveriam vir aqui'. Então essa também é um pouco da mentalidade que algumas pessoas ainda têm. E é claro que isso não está certo."
Em 2022, a Oktoberfest foi palco de 55 casos de assédio sexual, incluindo três estupros. Estes números representam apenas casos notificados oficialmente, uma vez que muitos incidentes não são denunciados.
Incidentes
Gottlöber destaca que as formas mais comuns de agressão incluem apalpação, beijos forçados e upskirting (captura de imagens ou vídeos por baixo da roupa das mulheres sem consentimento).
Ela enfatiza a importância do planejamento para garantir uma experiência segura na Oktoberfest e sugere que as pessoas considerem medidas práticas, como levar uma bateria portátil para o celular, manter algum dinheiro no bolso fora da carteira e carregar informações de contato.
"É claro que somos absolutamente da opinião de que a culpa sempre recai sobre o agressor. Mas também sabemos que situações perigosas podem surgir muito rapidamente para meninas e mulheres na Wiesn", diz Gottlöber.
Os veteranos da Oktoberfest geralmente aconselham o uso de shorts por baixo dos Dirndls como medida preventiva. Algumas mulheres oferecem outras dicas. "Acho que, como mulher, você não deve beber demais. Você deve prestar atenção à sua bebida e às outras pessoas ao seu redor. Você deve ficar em seu grupo com seus amigos", diz Denise, 25 anos, moradora de Munique.
Ela também sugere procurar a ajuda de seguranças ou de garçonetes nas barracas de cerveja, além de evitar ao máximo interagir com homens bêbados e desordeiros.
Teresa Rodgers, 40 anos, cidadã americana do Colorado, recomenda visitar a Oktoberfest pela manhã, quando a atmosfera é mais calma e as multidões são menos bagunceiras.
Responsabilidade compartilhada
Outra campanha importante de combate à violência sexual na Oktoberfest é a iniciativa "WiesnGentleman", liderada pela organização sem fins lucrativos Condrobs. Essa campanha tenta promover comportamento respeitoso, o consumo responsável de bebidas alcoólicas e a criação de um ambiente mais seguro, especialmente para as mulheres.
Lançada em 2013 sob o lema "Respeito é a minha força", a campanha divulga sua mensagem por meio de mídias sociais, cartazes, campanhas escolares e abordando os foliões que se dirigem para o local do festival. Uma parte integral de seus esforços envolve o Prêmio Wiesn Courage, anteriormente conhecido como Prêmio WiesnGentleman, que visa reconhecer e incentivar a conduta respeitosa.
O processo de premiação envolve convidar pessoas a compartilharem histórias de incidentes nos quais elas ou conhecidos ajudaram a criar um ambiente mais seguro – por exemplo, ajudando alguém em necessidade. Um júri avalia cuidadosamente as indicações e seleciona um vencedor, que recebe um voucher para comprar uma roupa para a Oktoberfest.
Embora possa parecer pouco convencional recompensar um comportamento que deveria ser considerado padrão, Birgit Treml, da Condrobs, ressalta a triste realidade de que a conduta respeitosa nem sempre é a norma. Além disso, não é incomum que alguns participantes se abstenham de ajudar as pessoas em perigo. Por isso, a necessidade de promover e reforçar ativamente o comportamento respeitoso e a ajuda ao próximo.
"Sejam respeitosos uns com os outros", diz Treml. "Isso se aplica sempre e em todos os lugares em nossa sociedade, mas especialmente aqui na Wiesn, onde tantas pessoas se reúnem, onde há muito álcool, onde talvez seja mais fácil perder os limites. É exatamente nesse contexto que é importante manter os limites e que todos ajudem juntos a mantê-los."