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Os marqueteiros brasileiros e o consultor catalão, por Cassio Sader

Milei, Bullrich e Massa. Tomas Cuesta/Gabriel Rossi/LatinContent via Getty Images

Os marqueteiros brasileiros e o consultor catalão

por Cassio Sader

O vídeo comparando o candidato à presidência da Argentina Javier Milei com Jair Bolsonaro que circulou nas redes nos últimos dias foi o chamariz para o fato de brasileiros estarem trabalhando na campanha do peronista Sérgio Massa, apesar da peça não ter sido produzida pela equipe de redes sociais do candidato, da qual brasileiros fazem parte. Notas em jornais já tinham informado da presença por lá de profissionais que trabalharam nas campanhas do PT nas últimas eleições. O tema de brasileiros trabalhando em campanhas mundo afora sempre garante alguma repercussão, desde os tempos de Duda Mendonça na mesma Argentina, nos anos 90, até a turnê de João Santana neste século por vários países da área de influência política e econômica do Brasil. Mas quase nunca se fazem matérias abrangentes ou artigos tratando desse tipo de exportação de serviços de brasileiros.

No Brasil, a imagem dos profissionais de comunicação política ainda sofre influência do posicionamento criado nos anos 90 pelos mais destacados, e por quem os contratavam. A ideia que dominava o imaginário do setor era derivada do marketing – daí o termo o marqueteiro -, segundo a qual a eleição é um momento de compra, e que um publicitário vai chegar com sua equipe, fazer do candidato um produto de sucesso e vendê-lo aos eleitores. Esse imaginário era um posicionamento mercadológico que interessava aos profissionais e aos clientes. Aos profissionais, por que, ao serem tratados como fenomenais, poderiam cobrar orçamentos maiores, e interessava aos políticos que acreditavam em soluções mágicas para seus problemas de comunicação.

Isso também interessava aos financiadores empresariais, que foram permitidos até recentemente. Quanto mais alto o orçamento, menos doadores poderiam arcar com os custos, aumentando assim a dependência dos candidatos em relação aos empresários, e a boa vontade em caso de eleitos. Os coordenadores de campanha, que tratavam com empresários e com profissionais de comunicação, se tornaram figuras com muito poder nos partidos, apesar de fora do alcance das vistas do público. E essas relações muitas vezes levavam o tema a outras páginas dos jornais, em que esses empresários, marqueteiros e tesoureiros apareciam no mesmo contexto que doleiros.

Ainda hoje, é comum o aparecimento de notas que tratam da presença de profissionais brasileiros em campanhas na américa latina, e são tratados como se tivessem participado do centro de decisões das campanhas, mas sem nenhuma evidência, parecem autopromoção. Antes deste caso da Argentina, apareceram notas falando de brasileiros com participação importante na campanha de Gustavo Petro, na Colômbia. Tanto nesse caso quanto no argentino, o que não ganhou holofotes no Brasil é que o mesmo consultor de comunicação política Antoni Gutiérrez-Rubí foi o principal estrategista de ambas as campanhas.

O catalão Antoni, colunista de vários jornais, escritor, professor universitário, é fundador e diretor da ideograma, “empresa de consultoria e assessoria de comunicação pública que atua para 10 países em comunicação estratégica e institucional, campanhas eleitorais e comunicação corporativa”. Ele já estaria contratado para a campanha presidencial do México, em 2024, para trabalhar pela candidata Claudia Sheinbaum, do partido do atual presidente, López Obrador.

Antoni já havia trabalhado na Argentina, nas eleições que deram a vitória a Alberto Fernandez, em 2019, dentre outros trabalhos realizados em vários países, desde 1985, quando fundou a ideograma.

Em busca da pergunta e da resposta certeira

Além de investir muito tempo para estudar a realidade local (60% do tempo da sua equipe), traçar a estratégia (25%) e menos para produzir materiais (15%), Antoni criou uma metodologia em que uma das etapas fundamentais é descobrir qual seria a pergunta (ou as perguntas) que um candidato deveria responder para disputar a preferência do eleitorado. Uma definição precisa desse ponto poderia levar ao sucesso eleitoral. Na Colômbia, em 2022, a pergunta seria qual candidato representaria melhor a mudança, desejo majoritário da população. Respondendo a essa pergunta melhor que seus oponentes, Petro teria ganhado a eleição. Analisemos, pois, com esta chave de leitura, o que estaria acontecendo na campanha eleitoral argentina de 2023.

À primeira vista, é surpreendente como pode Sérgio Massa, ministro da economia, que tomou posse com a inflação anual de 80%, e que hoje se aproxima de 140% ao ano, ter sido o mais votado, com 36% dos votos, contra 30% do ultra direitista Milei, e 23% da candidata Patrícia Bullrich, de direita. Mesmo considerando o alto nível de violência que atravessa o país, era claro que o tema da eleição era a economia. “É a economia, estúpido!” é uma das frases mais famosas de um consultor político, dada ao então candidato Bill Clinton, o “estúpido” da frase. Qual seria então a pergunta (ou as perguntas) a ser respondida pelo candidato Massa, ministro da economia de um país com hiperinflação batendo à porta?

A partir da excelente análise de Mariano Schuster e Pablo Stefanoni dos resultados do
primeiro turno, que aconteceu dia 22/10, publicada no site da revista Nueva Sociedad
(www.nuso.org) as perguntas respondidas por Massa para conquistar o voto dos eleitores foram:

  1. Como você pretende lidar com a situação econômica e social do país?

2. Como você se diferencia de seus oponentes, incluindo o candidato de extrema direita?

3. Como você pretende unir um país polarizado?

4. Como você pretende manter o apoio do eleitorado de esquerda?

5. Como você pretende lidar com a elite econômica que desconfia de você?

Em resumo, Massa respondeu a várias perguntas-chave relacionadas à economia, à sua diferenciação em relação aos oponentes, à unificação do país, à manutenção do apoio de eleitores de esquerda e à construção de confiança junto à elite econômica que estavam na cabeça dos eleitores. Estas foram as estratégias e as respostas que contribuíram para sua vitória no primeiro turno das eleições presidenciais na Argentina.

“Quando a gente acha que tem todas as respostas vem a vida e muda todas as perguntas”, citação atribuída a Luis Fernando Verissimo

O segundo turno é mais uma etapa das eleições argentinas, que tiveram nas PASO (Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias) e no primeiro turno situações completamente distintas. Nas PASO, enquanto seus adversários buscavam unidade interna em suas coligações, Milei respondeu melhor à pergunta dos eleitores e galvanizou o voto “bronca”. No primeiro turno, enquanto Patricia Bullrich encarnava o anti kirchnerismo raivoso, e Milei seguia apostando na “bronca” contra a classe política, que chama de “casta”, Massa tratou dar respostas aos eleitores. Enquanto seus adversários repetiam discursos centrados em suas próprias posições, o candidato improvável ofereceu respostas e conquistou votos que se haviam perdido nas PASO.

O segundo turno começa com os candidatos reposicionados no tabuleiro, e novas perguntas nas cabeças dos eleitores. Os candidatos têm até o dia 19 de novembro para oferecer respostas. Antoni Gutiérrez-Rubí e sua equipe devem estar a esta hora quebrando a cabeça em busca da pergunta e da resposta certeira.

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