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Ó do Borogodó luta para preservar sua história enquanto patrimônio cultural de SP

Fachada do Ó do Borogodó, em Pinheiros. Foto: Reprodução/Instagram

Quem tem direito à cidade?

São Paulo vivencia um momento de especulação extrema. A cada dia, prédios centenários vão para o chão, dando lugar a edifícios que não carregam história, carregam somente o lucro. 

O Ó do Borogodó, bar que promove o samba e o choro em São Paulo (SP), vivencia esse problema e luta contra sua desocupação. Os donos do imóvel optaram pela venda e pedem a entrega do local. A dona do Ó busca, através da Zona Especial de Preservação Cultural (ZEPEC), tornar o local patrimônio cultural da cidade.

O Ó é um espaço cultural situado em Pinheiros, com 22 anos de música e histórias. Foi ali que o samba, o choro, o jongo e a ciranda ganharam espaço, com artistas reconhecidos e novos nomes se apresentando.

Há pouco tempo, os donos do imóvel onde o Borogodó se formou, decidiram pela venda e pediram sua desocupação imediata. A proprietária, Stefania Gola, alega que a venda do espaço resulta na destruição de um patrimônio cultural da capital paulista, no caso, do Borogodó. 

A proprietária ainda defende que a existência do Ó do Borogodó não pode se dar em outro local, uma vez que sua identidade e história -e de muitos artistas- foi forjada naquele endereço, desde sempre. A memória não é só histórica, mas afetiva e patrimonial.

Um quintal, essa era a ideia inicial para a essência do Ó do Borogodó. Leonardo Gola, irmão de Stefania, em 2001, assumiu o estabelecimento e, em seguida, colocou Ste, como é conhecida, como sua sócia. A ideia era tornar o Ó um ambiente leve, descontraído, com samba e chorinho ao vivo e onde as pessoas se sentem em casa, à vontade. 

“O Ó foi um lugar que a gente conseguiu imprimir um jeito de trabalhar e de colocar pra fora e de realizar o que a gente acredita do mundo.”

Stefania Gola, proprietária do Ó do Borogodó

Leonardo Gola, o idealizador do espaço, morreu no final de 2021. Stefania seguiu sozinha, então, na frente do Borogodó.

Na luta pela preservação do espaço e, consequentemente, de uma parte da história cultural da cidade paulista, Gola acionou o Departamento de Patrimônio Cultural da cidade de São Paulo para que o Ó seja reconhecido como área de proteção cultural.

Além disso, existe um abaixo-assinado com mais de duas mil assinaturas apoiando a iniciativa de tornar o estabelecimento uma área de proteção cultural. O documento, que clama “São Paulo, nos deixe envelhecer”, afirma que o espaço recebe mais de 70 músicos e que sua preservação corrobora com a manutenção da referência brasileira como um dos países que mais produz “música popular criativa, refinada, sofisticada!”.

Patrimônio Cultural

A Constituição Federal, no artigo 216, prevê a proteção e manutenção de espaços como o Borogodó. Isso porque, em definição, patrimônio cultural são os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

Nisso se incluem os modos de criar, fazer e viver, as manifestações culturais e artísticas, os conjuntos urbanos de valor histórico, paisagístico, arqueológico e mais.

“O Ó já é patrimônio cultural da cidade. Reconhecer o Ó é, de alguma maneira, preservar aquilo que já está posto para não se perder. A música que se faz ali está muito garantida em sua excelência. No Ó você tem tanto os músicos da velha geração abrigados, como você tem novas gerações, que aprendem ali, que começam ali. Você tem uma safra de músicos que saíram do Ó do Borogodó. Acima de tudo porque ele já é um patrimônio. É sobre reconhecer, para que ele não desapareça, porque tudo desaparece nessa cidade.”

Stefania Gola, proprietária do Ó do Borogodó

“Qualquer estabelecimento cultural que as pessoas convivem, festejam, é sempre uma tristeza a desmontagem e a desmobilização desses espaços”, opina Raquel Schenkman, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, que considera o Borogodó um espaço de resistência e de acolhimento. 

“Desmontar um espaço desses para colocar no lugar um edifício? E se perde esse espaço que é tão querido, digamos assim, por seus frequentadores”, afirma a arquiteta.

De acordo com Gola, o pedido de reconhecimento do Ó como patrimônio cultural se encontra na fase inicial. Os documentos já foram enviados para a prefeitura e o pedido está sendo analisado. Em seguida, segue para o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo (Conpresp), onde a presidência pode analisar o caso por até dois anos. 

“Não existe nada na legislação que nos proteja. A gente deveria ter bares centenários e o Ó deveria estar inscrito nisso. E para isso a gente precisa do poder público, porque se não você vai deixar na mão do proprietário ou da especulação [imobiliária] resolver?”, diz Gola.

O Ó do Borogodó, durante o período de análise, tem sua permanência resguardada. Os proprietários ainda podem realizar a venda, mas sem exigir a desocupação e quem for comprar o imóvel, compra sabendo da existência do espaço.

“O Ó imprimiu um jeito de se fazer samba e choro na cidade de são paulo, e isso é bastante relevante. Esse é um dos motivos por que o Ó deve ser resguardado. Ele já é um patrimônio, um patrimônio que pode morrer. E sem dúvida, deixa essa cidade melhor, afirma Stefania Gola.

Símbolo absoluto de resistência

Alvo de crises financeiras e do discurso de ódio que passa pelo Brasil durante os períodos em que a extrema-direita domina, o Ó, como muitos estabelecimentos, também enfrentou uma montanha-russa de altos e baixos. 

“Na pandemia a gente vive a crise máxima. Chegamos à beira de entregar o bar. Fomos convencidos pelos músicos a não fazermos isso e que devíamos tentar uma vaquinha. E a gente, já muito descrente de que isso pudesse acontecer, no meio de uma crise, as pessoas sem dinheiro pra comer. Como é que a gente vai pedir dinheiro? E foi assim, quando estávamos quase para entregar o bar, em dez dias juntamos 300 mil reais. Pagamos o aluguel de um ano para trás, um ano para frente. E isso, de alguma maneira, mostrou que Ó ainda era muito forte. Que ali existia uma comunidade muito arraigada. Um símbolo absoluto de resistência.”

Stefania Gola, proprietária do Ó do Borogodó

Depois de anos de aluguel informal, feito através de acordo verbal com o falecido proprietário, veio a notícia que os filhos decidiram vender o imóvel. Stefania conta que tentou um acordo de compra de metade do imóvel, que é o que compreende o Ó do Borogodó, mas não houve negociação. A resposta veio como a notificação de desocupação.

“A gente não teve nem uma coisa assim: depois de 22 anos falar olha, proposta não aceita, não estamos interessados. Não. É isso, a resposta foi “peço que desocupem o prédio”.

A casa de muitos

Fernando Szegeri, músico que se apresenta no Ó desde 2004 e que integra o grupo musical Inimigos do Batente, conta que o espaço cultural representa tudo para ele enquanto artista.

“Os inimigos do batente nem existiriam mais se não fosse o Ó do Borogodó. Se não fosse essa vocação do Ó para receber aquilo que efetivamente não tem espaço em mais nenhum outro lugar”, conta Szegeri.

Roberta Valente, pandeirista, produtora e pesquisadora de música popular brasileira, com 33 anos de carreira, também participa ativamente das noites de choro no Ó. Segundo Valente, o espaço incentiva os músicos a investirem na autoralidade.

“Diferente de todos os bares que eu já toquei até hoje, com ressalva apenas para o Bom Motivo, o Ó do Borogodó estimula você a tocar o seu repertório. Uma das razões que eu acredito que o bar tenha ficado muito famoso, é essa”, relata Roberta.

“Nós todos somos testemunhas, sobreviventes de uma outra sociabilidade, de uma outra forma de vivenciar a cidade que está profundamente embrenhada na arte que a gente faz, que é a roda de samba, que é a roda de choro. Efetivamente, se não fosse o Ó, os Inimigos do Batente não existiriam mais e eu não existiria mais como cantor”, desabafa Fernando.

“O Ó do Borogodó foi minha vida nos últimos 20 anos. Simples assim. A minha e a de muitos outros que tocam lá. O Ó é um templo da música brasileira. Lá não tem só samba e choro. Lá tem também carimbó, ciranda, batuque, jongo, tem canções. Ou seja, é um espaço onde o melhor acontece, onde estão os melhores músicos, não só de São Paulo, mas do Rio, do Pará, do Nordeste, pernambucanos, baianos, que vem só para tocar no Ó do Borogodó”, conta Valente.

Fernando enfatiza a luta e afirma que falar em patrimônio cultural é um assunto muito sério. “Não é só sobre a música que se faz ali, é o porque essa música pode ser feita ali”, afirma em referência ao Ó do Borogodó.

Se quiser assinar o abaixo-assinado pela manutenção do Ó do Borogodó onde está, clique aqui.

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