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Milícias, por Wilson Ramos Filho

Renato Aroeira

Milícias

por Wilson Ramos Filho, Xixo

Dois podcasts nos auxiliam na compreensão da estreita ligação do bolsonarismo com as milícias cariocas. O primeiro se chama A República das Milícias, do Bruno Paes Manso, autor do best seller homônimo. O segundo é o excelente A Vida Secreta do Jair, da jornalista Juliana Dal Piva. Em conjunto ambos nos permitem relembrar episódios do cotidiano do Rio de Janeiro para perceber que a ascensão do fascismo brasileiro começou em 2005, quando as milícias armadas perderam todos os pudores e passaram a disputar territórios com o tráfico de drogas, com a conivência do aparato repressivo estatal.

O caráter bandido das milícias, defendidas e condecoradas pela quadrilha Bolsonaro, já é de conhecimento geral. Não são melhores do que os grupos que anteriormente controlavam o narcotráfico. Matam, exploram, chantageiam, torturam e corrompem tanto quanto os demais grupos criminosos que, no passado legitimaram perante parte da população, a criação dessas milícias para proteção das comunidades mais vulneráveis.

De fato, em sua origem, as “mineiras” não passavam de um determinado tipo de “esquadrão da morte”, que “fazia justiça” de modo célere, impondo determinada ordem dentro de um território, mediante tortura, vilipêndio e assassinatos dos inimigos na “guerra” contra as facções rivais. A evolução destas está profundamente ligada à família Bolsonaro, vizinha do miliciano Ronnie Lessa e empregadora de Adriano da Nóbrega, assassinos de Marielle Franco.

Parte da pequena-burguesia brasileira e a maioria das populações das favelas do Rio de Janeiro passaram a normalizar a atuação dessas milícias que “fazem o que tem que ser feito” constituindo-se em uma “polícia paralela” que executa e destrói seus adversários. A lógica do “esquadrão da morte” passa a prevalecer. O lema bandido bom é bandido morto,se converte em um senso comum na direita e na extrema-direita brasileira. Se o Estado não consegue punir, os justiceiros, ainda que “fora da lei”, esses “heróis” fazem a Justiça com as próprias mãos. Trata-se de uma ética nova, torta, justificadora de absurdos, delinquente.

Essa ética delinquente é a mesma que justifica outros desvios de conduta normalizados e até glamourizados, tendo como exemplos não exaustivos a delinquência tributária (os sonegadores se defendem alegando excesso da carga de impostos), a delinquência patronal, que vai desde a sonegação de direitos mínimos aos empregados, até diversas e sofisticadas formas de assédio moral, incluídos o organizacional (métodos de gestão potencialmente adoecedores das vítimas) e o sexual (mediante diversas formas de violência de natureza sexual contra as empregadas e empregados) e a delinquência funcional por parte de funcionários públicos que se deixam corromper alegando baixa remuneração ou longos anos sem reajustes em seus vencimentos. Quando pilhados, os meliantes quase sempre se saem com desculpas liberais relacionadas ao “excesso de regulação”, ao tamanho do estado, ou à injusta remuneração outorgada a quem teve o mérito atestado por aprovação em concurso público.

Esse último grupo delinquente, entre os lembrados exemplificativamente, integra a categoria teórica que denomino como Direita Concursada. Nem todos os que a integram são delinquentes funcionais, embora a recíproca seja verdadeira. Essa gente, majoritariamente empossada no presente século, que recebe, entre vencimentos e penduricalhos, muito mais do que merece está presente em quase todos os setores do serviço público, com destaques para médicos, engenheiros e advogados, com a possível exceção dos trabalhadores e professores na educação.

Uma parcela significativa da Direita Concursada ocupa cargos no aparato repressivo estatal (policiais, ministério público, magistrados, procuradores, entre outras funções públicas) e muitos deles, embora não todos, integram a Milícia Concursada, entendida como a parcela lavajatista da Direita Concursada.

Os esquadrões da morte e as milícias cariocas alegam que matam apenas bandidos (com grande número de “efeitos colaterais indesejados” quando inocentes são atingidos por “balas achadas”, que nada têm de “perdidas”). A imprensa participa da farsa divulgando antecedentes criminais das vítimas de chacinas promovidas pelas milícias, muitas vezes com a cobertura, a leniência e a cumplicidade das polícias civis e militares e do ministério público estadual.

Com o voto paradigmático do Ministro Dias Toffoli, anulando todas as provas, e os acordos de colaboração judicial e de delação premiada, contra a Odebrecht ficamos sabendo detalhes das ilegalidades praticadas pelos procuradores da Operação Lava Jato do Ministério Público Federal e pelos juízes federais que, à margem da legalidade, mantinham com eles relações indecentes e obscenas. Os jornalistas de direita, nos meios de comunicação tradicionais, que serviram de “assessoria de imprensa” da Lava Jato não conseguem esconder seus desconfortos. Também eles foram julgados, embora não constem da decisão judicial. E sabem disso.

A reação da Milícia Concursada, como também observou o jornalista Reinaldo Azevedo, foi semelhante àquela justificadora da ética delinquente dos esquadrões da morte: se houve excessos esses foram ínfimos diante dos benefícios para a sociedade, com a recuperação de milhões para os cofres públicos. Suas vítimas eram bandidos. Não tinham direito a ter direitos. Os justiceiros integrantes da Milícia Concursada, ainda que à margem da legalidade, apesar de serem juízes e procuradores, teriam feito ”o que precisava ser feito” para evitar a eleição de Lula em 2018. Carlos Fernando, o primeiro líder da força-tarefa admitiu expressamente que votaram em Bolsonaro. Com a mesma ética bandida, delinquente, segundo magistrados que aceitaram servir como fonte jornalística sob promessa de anonimato, o lavajatismo se tornou hegemônico em todos os ramos e em todas as instâncias do Poder Judiciário.

Dois lavajateiros foram eleitos com os votos de eleitores paranaenses da extrema-direita que apoia os grupos de extermínio, que apoiaria os esquadrões da morte, que apoiaram as milícias, inclusive a concursada. Um deles já foi cassado e está inelegível por oito anos. O outro haverá de ter o mesmo veredicto ainda este ano. Como dizem os justiceiros, “a lei é para todos”.

Agora o restante da Milícia Concursada que atuou na desastrosa Lava Jato, segundo vários veículos de imprensa,
será processada pelos seus crimes e por seus ilícitos civis. Seus integrantes possivelmente serão responsabilizados civil e criminalmente. Alguns deles perderão seus cargos públicos, outros terão seus patrimônios bloqueados em ações cautelares tributárias par ressarcir os prejudicados pela ilegalidades cometidas. Estão desesperados. Não contavam com esse desfecho. Consideravam-se acima do bem e do mal, intangíveis, inalcançáveis pela repressão estatal. E, como todos os justiceiros, nas favelas ou sob togas e becas, consideram-se vítimas de perseguição e, vejam só a ironia, de injustiças. Quem diria?

Xixo, 07 de setembro de 2023

A charge é do Renato Aroeira.

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