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Ideval Anselmo: um bamba na arte de compor sambas-enredo, por Daniel Costa

Foto: Lela Beltrão

Ideval Anselmo: um bamba na arte de compor sambas-enredo

por Daniel Costa

Sou filho da terra batida Essa terra prometida Pra capinar e plantar e esperar A chuva em hora certa Que o céu é porta aberta Nossos campos vem regar 

Filho da Terra (Ideval Anselmo)

Faltando menos de seis meses para o carnaval começamos a ver na imprensa, mesmo que de forma discreta informações sobre os preparativos para os festejos de momo. Por enquanto o destaque cai sobre a escolha dos sambas enredos que cada agremiação levará para o Sambódromo na esperança de arrebatar o tão sonhado título.

Quem já teve a oportunidade de acompanhar a disputa dos sambas dentro de uma escola sabe como é emocionante o processo de escolha. Porém ao mesmo tempo que desperta emoção saber qual será o hino escolhido pelas escolas, a realidade traz para o folião um sentimento de tristeza e nostalgia. Tristeza por ver escolas escolherem sambas com dez, doze autores, fruto dos famosos escritórios de compositores ou mesmo concorrentes que não mantém relação alguma com o pavilhão descartando em muitas ocasiões a ala de compositores da agremiação.

O resultado desse processo predatório é que passado o carnaval ninguém mais lembrará dos sambas cantados na avenida. Talvez o último grande samba que até hoje segue na boca do povo seja o famoso Peguei um Itá no Norte, de Demá Chagas, Arizão, Bala, Guaracy e Celso Trindade que embalou o Salgueiro no carnaval de 1993, desde então são poucos os que ultrapassaram as quadras das escolas e sobreviveram ao dia seguinte à quarta-feira de cinzas.

Pensando nos grandes compositores de samba-enredo, podemos destacar no Rio de Janeiro nomes como: Hélio Turco na Mangueira; Noca e Davi Corrêa na Portela; Silas de Oliveira no Império Serrano; Zuzuca no Salgueiro. Em São Paulo lembramos de Geraldo Filme, Talismã, Zé Carlinhos e nosso personagem, um dos maiores vencedores de sambas enredo no carnaval paulistano, desde a primeira vitória em 1972, vinte e dois sambas de sua autoria embalaram os foliões na Avenida Tiradentes ou no Anhembi.

Ideval Anselmo nasceu em 18 de setembro de 1940 em Catanduva, cidade do interior paulista, porém passaria a infância em Votuporanga, onde além da influência de seus pais, em entrevista nosso personagem lembrou que, “os velhos arranhavam um acordeom e uma viola”, ainda estudaria música chegando a participar da banda da cidade. Foi também no interior que Ideval teve os primeiros contatos com o samba e o carnaval, através dos bailes nos salões da cidade e por meio dos cinejornais que exibiam trechos dos desfiles das escolas do Rio de Janeiro encantando o futuro compositor.

A influência do carnaval carioca visto pela tela do cinema causa tamanho impacto em Ideval que ao chegar na capital paulista o  jovem folião sente um estranhamento em relações ao andamento das escolas e cordões da Pauliceia, bem diferentes daquela cadência vista nas telas de Votuporanga. Porém mesmo assim a paixão pela folia fala mais alto e Ideval toma o rumo da Barra Funda chegando no Camisa Verde e Branco. Além do samba outro fator influenciou sua decisão de entrar na verde e branco da Barra Funda, o fato de sua companheira ser integrante da escola. 

Outro fato que marcaria a trajetória de Ideval enquanto compositor, seria o convite da prefeitura paulistana para que as agremiações cariocas Mangueira e Salgueiro vieram desfilar no Vale do Anhangabaú em 1971. Ao ver o Salgueiro embalado pelo samba Festa para um Rei Negro, sucesso de Zuzuca, o compositor percebeu que aquele era o caminho que deveria ser trilhado. Assim em 1973 vence sua primeira disputa no Camisa com o samba Literatura de Cordel, batendo na disputa ninguém menos que o já consagrado Talismã. Para Ideval a fórmula estava dada: letras fáceis com refrões melodioso adaptando para o carnaval paulistano o que vinha sendo feito com sucesso no Rio por compositores do Salgueiro e Portela.

No ano seguinte nova vitória, dessa vez com o enredo As Quatro Estações do Ano, o samba para o carnaval de 1974 iniciaria a parceria com Zelão, uma das grandes duplas do carnaval paulistano. A dupla ao lado de Miro assina Um Certa Nega Fulô; já para os carnavais de 1976 e 1977 a parceira seria completada por Jordão, embalando respectivamente o carnaval da Tiradentes com Atlântida e Suas Chanchadas e Narainã, a Alvorada dos Pássaros.

O desfile de 1978 ficaria marcado por um ponto fora da curva na trajetória do nosso personagem. De acordo com Ideval em depoimento prestado ao projeto Matriarcas do samba paulistano: “Seu Tobias reuniu todos os compositores que haviam se inscrito no concurso e definiu que a gente fizesse um samba que reunisse todas as composições”, assim nasceu a homenagem à Semana de Arte Moderna e os Contemporâneos do Futuro, samba assinado por Ideval, Airton, Mário Luis, Luis Carlos, Neff Caldas e Wilson Freire.

Em 1979 mais uma vez Ideval venceria uma disputa na escola da Barra Funda, com Almôndegas de Ouro, o enredo retratava um banquete do imperador D. Pedro I com a elite mineira, a letra extensa quando comparadas aos sambas do período e do próprio Ideval foi entregue em um papel de pão. Para o carnaval de 1981 o compositor emplacaria na avenida Acima de Tudo uma Mulher, enredo que contava a vida da jovem Paraguaçu e  do náufrago português Caramuru.

Após um jejum de cinco anos, no carnaval de 1985 o Camisa voltaria para a avenida com mais um samba do autor, em Ginga Brasil Moreno, enredo que buscava retratar o verde das matas, a religiosidade e a musicalidade brasileira a escola comemorava também o fim da ditadura civil-militar. Próximo ao carnaval, em declaração à imprensa, o mestre Lágrima afirmava que o desfile, seria a “festa da vitória da democracia pressentida há muito tempo pelos homens do samba”.

Após a vitória em 1985 o compositor voltaria a ter um samba cantado pela escola da Barra Funda apenas em 1995, com Do Palco ao Asfalto. Nesse hiato, Ideval emplacaria sambas no Rosas de Ouro; Berço de Heróis, parceria com Zelão para a folia de 1984. Na Unidos do Peruche emplacaria com Lagrila o tema de 1985, Água Cristalina e Rei do Picadeiro, o Palhaço Negro; para esse Carnaval a dupla contaria com o reforço de Carlinhos, já para o carnaval de 1993 a escola cantaria Mercador, Mercado, Mercadoria. Por fim devemos lembrar a passagem de Ideval pela Tom Maior onde venceria a disputa de 1995 com O Papel do Papel.

Em 2012 o compositor lança seu primeiro álbum solo dentro do projeto Memória do Samba Paulista, fruto da parceria entre o Kolombolo Diá Piratininga e a Associação Sambatá. O disco traz para o ouvinte a versatilidade desse mestre do carnaval paulistano. Assim podemos ouvir desde a bela A Jangada, o Mar e o Amor, parceria com Soró e Carlinhos; Mito Mensageiro, com o bamba Silvio Modesto, passando por Filho da Terra, canção que traz as reminiscências da infância no interior e a ancestralidade em Tesouro Africano. Já com o samba O Navegante Negro, parceria com Zelão, é evocada a luta e resistência de João Cândido, o almirante negro. Por fim, destaco Tributo a um Bamba, homenagem a Hélio Bagunça, personagem histórico do samba paulistano e das noites da Barra Funda, o malandro maneiro foi retratado com esmero por esse compositor que soube amalgamar as mais variadas influências.

Prestes a completar 83 anos Ideval é a síntese da musicalidade paulista, como poucos foi capaz de sintetizar a influência da música caipira ouvida na infância, a cadência das escolas cariocas e a tradição do carnaval paulistano. Encerramos essa pequena homenagem com um trecho do samba dedicado a Hélio Bagunça e aquela São Paulo que ficou na lembrança de quem viveu os carnavais e a boêmia de outrora.

Sai pela noite a fora, chega só de manhã  Cantando um samba dolente do Talismã  Sambista paulista, o Bagunça  Na Barra Funda foi bamba  Hélio Bagunça é a história do meu samba

Tributo a um bamba (Ideval Anselmo)

*Daniel Costa é historiador, pesquisador, compositor e integrante do G.R.R.C Kolombolo Diá Piratininga.

Daniel Costa – História / EFLCH-UNIFESP [email protected]

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