Guterres disse que ataque do Hamas "não surgiu do nada, mas de 56 anos de ocupação". Governo israelense reage, pede renúncia do secretário-geral e diz que vai negar vistos a representantes das Nações Unidas.Israel anunciou nesta quarta-feira (24/10) que vai negar vistos a representantes das Nações Unidas após as declarações do secretário-geral da ONU, António Guterres, perante o Conselho de Segurança do órgão.
Em reunião na terça-feira, Guterres disse que o ataque do grupo terrorista Hamas de 7 de outubro "não surge do nada, mas de 56 anos de ocupação". Como reação, Israel pediu a renúncia do dirigente.
O anúncio da recusa dos vistos foi feito pelo embaixador israelense na ONU, Gilad Erdan, que acrescentou que seu país já começou a adotar essa política, já tendo recusado um visto ao subsecretário-geral da ONU para os Assuntos Humanitários, Martin Griffiths.
"É hora de dar a eles uma lição", disse Erdan se referindo aos funcionários da ONU, em entrevista à rádio do Exército israelense.
"Palestinos sofrem 56 anos de ocupação sufocante"
A polêmica eclodiu na terça-feira, quando Guterres "condenou inequivocamente os horríveis e sem precedentes atos terroristas" do Hamas, embora tenha ressaltado que o que aconteceu tem suas raízes em longas décadas de conflito com os palestinos. "Os ataques do Hamas não ocorrem no vácuo. O povo palestino foi sujeito a 56 anos de ocupação sufocante", afirmou Guterres.
Ele também disse que a população palestina viu como "sua terra era devorada sem cessar pelos assentamentos e assolada pela violência".
A fala de Guterres foi proferida durante discurso em uma reunião especial do Conselho de Segurança sobre o conflito entre Israel e o Hamas, desencadeado pelo ataque do grupo militante em 7 de outubro. O atentado deixou pelo menos 1.400 israelenses mortos, e mais de 220 foram feitos reféns.
Em retaliação, ataques aéreos israelenses destruíram grandes áreas do enclave de Gaza, deixando pelo menos 6.500 palestinos mortos, incluindo mais de 2.700 crianças, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza.
Nesta quarta-feira, Guterres destacou um trecho de seu discurso, em postagem na plataforma X (antigo Twitter): "As queixas do povo palestino não podem justificar os horríveis ataques do Hamas. Esses ataques horrendos não podem justificar a punição coletiva do povo palestino."
As declarações do secretário-geral da ONU provocaram reação de autoridades israelenses, que condenaram as palavras e pediram a sua renúncia.
"Você não tem vergonha?", questionou o ministro das Relações Exteriores de Israel, Eli Cohen, que estava presente na sessão das Nações Unidas e suspendeu uma reunião planejada com Guterres.
Reação do presidente do Museu do Holocausto
A fala de Guterres também foi criticada por Dani Dayan, presidente do Museu do Holocausto de Jerusalém, Yad Vashem, que argumentou que "o massacre de judeus pelo Hamas em 7 de outubro foi genocida nas suas intenções e imensamente brutal na sua forma".
"Parte da razão pela qual difere do Holocausto é porque os judeus hoje têm um Estado e um Exército. Não estamos indefesos ou à mercê de outros", acrescentou o presidente do Yad Vashem.
Segundo Dayan, após o ataque a Israel pelo grupo islâmico palestino, "se colocou à prova a sinceridade dos líderes mundiais, intelectuais e pessoas influentes" em nível internacional, como Guterres. Nesse contexto, o secretário-geral da ONU "não passou na prova", segundo Dayan.
Depois dos massacres perpetrados pelo braço militar do Hamas em Israel há mais de duas semanas – o ataque com maior número de mortes na história do Estado judaico –, o governo israelense comparou suas ações às do "Estado Islâmico" (EI) ou ao genocídio nazista de milhões de judeus.
Israel também declarou que as atrocidades cometidas pelo grupo islâmico foram o pior massacre contra judeus desde o Holocausto.
Críticas das famílias dos reféns israelenses
A fala foi também alvo de críticas de familiares dos reféns do grupo islâmico Hamas, que a considerou "escandalosa".
"Que vergonha dar legitimidade a crimes contra a humanidade quando se trata de judeus! As declarações do secretário-geral da ONU são escandalosas!", afirmou o grupo de famílias dos cerca de 220 sequestrados em comunicado.
"Crianças foram queimadas vivas, mulheres foram violadas e civis foram torturados e assassinados a sangue frio. Tudo com o objetivo de aniquilar todos os israelenses e judeus na área capturada pelo Hamas", observaram as famílias.
Guterres diz que falas foram deturpadas
Nesta quarta-feira, Guterres se pronunciou sobre as críticas aos seus comentários da véspera, dizendo que precisava "esclarecer as coisas, especialmente por respeito às vítimas e suas famílias".
"Estou chocado com as deturpações feitas por alguns sobre minha declaração ontem no Conselho de Segurança – como se eu estivesse justificando os atos de terror do Hamas", disse ele a jornalistas reunidos na sede da ONU em Nova York. "Isso é falso. Foi o contrário."
O chefe das Nações Unidas observou que, no dia anterior, condenou o ataque do Hamas a Israel e enfatizou que "nada pode justificar matar, ferir e sequestrar deliberadamente civis, ou lançar foguetes contra alvos civis".
Ele insistiu que falou, sim, "sobre as queixas do povo palestino" – "mas ao fazer isso também afirmei claramente, e cito: 'As queixas do povo palestino não podem justificar os terríveis ataques do Hamas'. Fim de citação".
Alemanha apoia chefe de ONU
Também nesta quarta, o governo da Alemanha declarou que Guterres tem sua "confiança" e que a exigência de Israel para que ele renuncie "não é apropriada".
"Temos que dar meio passo atrás. A situação está muito carregada, muito tensa. Estamos todos chocados e não tenho a sensação de que os pedidos de renúncia sejam apropriados", disse Steffen Hebestreit, porta-voz do chanceler federal Olaf Scholz, em coletiva de imprensa em Berlim.
Ele acrescentou que a Alemanha se mantém "inabalavelmente" ao lado de Israel, mas também está fazendo esforços para "mediar".
"Vemos o que está acontecendo em Israel, o que está acontecendo em Gaza. Estamos tentando abrir janelas humanitárias para que os civis continuem a receber comida, água", disse o porta-voz. "Nesta situação, meu conselho seria que, em nível internacional e público, não devemos permitir-nos ficar divididos, mas sim enfrentar juntos um conflito muito complicado e delicado."