Criticar Israel não é ser antissemita ou “apoiar terrorista”
por Francisco Fernandes Ladeira
Historicamente, o genocídio promovido pelo Estado de Israel contra o povo palestino só encontra paralelos nos piores momentos da humanidade, como o colonialismo europeu, o apartheid sul-africano e os campos de concentração nazistas.
Porém, enquanto criticar os exemplos citados acima é algo que praticamente não encontra opositores no debate público (afinal de contas, dificilmente as pessoas explicitam seus preconceitos); denunciar as atrocidades israelenses, por outro lado, ainda se mostra uma questão mais complexa.
Isso por causa de uma desonesta e corriqueira estratégia discursiva, que consiste em rotular todas as vozes que se opõe às ações criminosas do Estado de Israel como “antissemitismo” (isto é, ódio e aversão contra os povos semitas, em especial aos judeus).
Assim, tem-se o álibi ideal para negar o genocídio palestino, sob o verniz de uma suposta defesa dos judeus. Se alguém fala em limpeza étnica em Gaza e Cisjordânia, por exemplo, logo é “antissemita”.
Nesse sentido, é importante diferenciar os termos “sionismo” e “semitismo” – que, como dito, se refere aos povos semitas, como os árabes e judeus, descendentes de Sem, um dos filhos de Noé, segundo a tradição bíblica.
Já o sionismo, enquanto movimento político-ideológico, surgiu no final do século XIX, no continente europeu. Resumidamente, seu principal objetivo era a criação de um Estado-Nacional judaico (concretizado em 1948, com o surgimento de Israel), a partir da premissa de um povo sem terra (judeu), para uma terra sem povo (Palestina).
Trata-se de um raciocínio falacioso. Primeiro, a Palestina não era uma “terra sem povo”, haja vista a presença árabe na região. Segundo, a própria ideia de um “povo unitário”, aplicada aos judeus, depois de séculos de diáspora, é questionável.
Como bem pontuou o professor da Universidade de Tel Aviv, Schlomo Sand, em entrevista ao Opera Mundi, “o judaísmo, como raiz étnica, foi forjado pelo sionismo para dar sustentação a seu projeto nacionalista. Os judeus se constituem de vários povos, com culturas e histórias distintas, formado também por grupos convertidos, que assumiram uma mesma identidade religiosa”.
A partir das palavras acima, podemos compreender a existência de grupos judeus antissionistas, como os Neturei Karta (“Guardiões da Cidade”, em aramaico). Para eles, o Estado de Israel, seguindo os preceitos sionistas, é uma blasfêmia, usurpação do poder de Deus e desconfiguração dos propósitos originais do judaísmo, pois o verdadeiro Israel só poderá ser restabelecido com a vinda do Messias.
Discordâncias religiosas à parte, evidentemente, é temeroso dizer que os Neturei Karta, um grupo judeu, pode ser rotulado como “antissemita”.
Além disso, outra forma rasteira de desqualificar os críticos a Israel é tachá-los como “apoiadores de terroristas”. Aí entra o chamado jornalismo de adjetivação.
Como temos assistido, ouvido e lido sistematicamente nos grandes veículos de comunicação nos últimos dias, toda a historicidade da geopolítica palestina foi capciosamente negligenciada para criar a narrativa de que o conflito Israel-Palestina começou no dia 7 de outubro, com “o ataque do Hamas contra civis israelenses”.
Assim, criou-se a falsa dicotomia entre “terroristas do Hamas” e Israel, “a única democracia do Oriente Médio”. Nessa lógica, criticar Israel não é apenas “antissemitismo”; também é “apoiar terrorista” (diga-se de passagem, um grosseiro erro semântico, pois nem a própria ONU classifica o Hamas como “terrorista”).
Infelizmente, parcela da esquerda, recorrendo à retóricas como “nem Hamas, nem Israel” ou “complexidade do conflito”, não tem se posicionado em favor dos palestinos, deixando de lado uma das pautas clássicas do campo progressista: a luta contra o colonialismo.
Não se trata de negar a complexidade da geopolítica, mas, sobre a questão palestina, lembrando Paulo Freire, não há neutralidade possível. Lavar as mãos em face da opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele. Consequentemente, ficar alheio significa compactuar com um dos maiores genocídios que a humanidade presenciou. Portanto, não há como bancar o “isentão” nesse momento.
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Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp. Autor de catorze livros, entre eles “A ideologia dos noticiários internacionais” (Editora CRV).
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