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"Com instabilidade, não há investimento", diz João Doria

Por Denise Rothenburg, Carlos Alexandre de Souza e Aline Brito

Ex-governador de São Paulo e co-chairman do Grupo de Líderes Empresariais (Lide), João Doria comemora a reinserção do Brasil na comunidade internacional, após o isolacionismo protagonizado pelo governo Bolsonaro. Na avaliação de Doria, a presença do presidente Lula em diferentes fóruns multilaterais contribui para o país se recolocar nas grandes negociações econômicas, além de reafirmar o compromisso com a agenda da sustentabilidade. Participante ativo de debates econômicos globais, o representante do Lide reverbera, no entanto, a preocupação de investidores estrangeiros com a insegurança jurídica que, por vezes, se apresenta no cenário brasileiro. Cita, por exemplo, o ímpeto do governo Lula em reverter a privatização da Eletrobras, matéria pacificada no Congresso. "Onde há instabilidade jurídica, não há investimento", resume Doria, em entrevista ao CB.Poder. Atacado duramente por Bolsonaro na pandemia de covid-19, o ex-governador afirma que a democracia brasileira "é forte, mas exige cuidados". O atual momento, no olhar de Doria, constitui uma oportunidade para o atual chefe do Planalto superar a polarização política e se consagrar como líder de todos os brasileiros, e não somente de quem o elegeu. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Que resumo é possível fazer dos debates que o senhor fez lá fora sobre os problemas brasileiros?

O governo anterior isolou o Brasil da comunidade internacional, o que comprometeu bastante as decisões sobre investimentos no país. Outro fator que comprometeu foi a questão ambiental. O Brasil também rompeu seus compromissos ambientais no governo anterior, isso foi sentido, notadamente, na Europa e no Japão. Por fim, a instabilidade política do país não foi positiva para as decisões de investimentos internacionais no Brasil.

O que mudou em relação a isso?

As diversas viagens do presidente Lula recolocaram o Brasil nas mesas de negociação e nas organizações internacionais. Houve também uma melhora efetiva no compromisso ambiental nesse governo, de um comportamento que era nocivo para um que é protetivo ao meio ambiente. O terceiro ponto, que ainda não foi superado, é o sentimento de insegurança dos investidores em relação ao Brasil por conta da instabilidade política, do confronto com os que perderam a eleição, e também da insegurança jurídica. Esse é um ponto crucial, porque investidor não costuma materializar seus investimentos onde há insegurança jurídica.

O senhor poderia dar um exemplo do que é essa insegurança jurídica?

As manifestações feitas até recentemente em relação à Eletrobras. A proposta ou o desejo de se reestatizar a empresa foi desastrosa perante investidores. A regra aprovada no Congresso e materializada na privatização da Eletrobras significa um acordo, um entendimento que é preciso obedecer. Pode-se não gostar, mas isso tramitou dentro do processo constitucional, foi votado pela Câmara, votado pelo Senado e aprovado pelo Poder Executivo. Onde há instabilidade jurídica, não há investimento. Se eu pudesse sugerir ao governo um tema que mereceria uma atenção adicional, talvez uma palavra sob a liderança do presidente Lula, é que regras decididas pelo Congresso e ratificadas pelo Executivo serão obedecidas plenamente. Essa é uma mensagem que pode favorecer, e muito, o ingresso de capital externo no Brasil.

Nesse contexto, como vê a atuação do governo?

E eu vou voltar aqui para o ponto positivo, que é a gestão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Uma grata e boa surpresa à frente do Ministério da Fazenda, na sua relação com o Congresso, na sua relação com o Banco Central, na sua relação com a sociedade produtiva, com os mercados, do diálogo, do entendimento, da obediência ao controle fiscal. Eu diria que foi a melhor e mais grata e boa surpresa deste governo. Há outras também, não quero eliminar outras referências positivas, mas eu destacaria a figura do ministro Fernando Haddad.

Nós temos um Congresso mais conservador, que, inclusive, disse que não votaria na mudança na Eletrobras. Isso não soa como um alívio para os investidores?

A resposta é sim. Isso reflete a estabilidade política, e o Congresso tem cumprido bem esse papel, não só em relação à Eletrobras, mas também ao marco do saneamento. Regredir no marco do saneamento seria desastroso. Esse é um setor que precisa de investimentos de grande volume e só o setor privado tem condições de fazer isso. Mais recentemente, também o marco em relação ao território indígena que, embora não afete investimentos internacionais, criaria uma instabilidade grande no campo. Eu não quero contestar a decisão do Supremo ou o posicionamento do governo federal, mas me parece que o Congresso Nacional acertou em preservar uma regra que já havia sido debatida e institucionalizada. Ele fez isso, ao meu ver, sem embate, sem confrontos, sem emparedamento de ninguém. Eu não vi isso como uma medida confrontadora ao Supremo, mas estabilizadora em relação aquilo que compete ao Congresso. Legislar é função do Congresso.

Em relação à reforma tributária, como que o senhor está vendo essa discussão e o que deveria ser tratado com mais urgência, ou mais cuidado?

Eu sinto que o diálogo entre o presidente da Câmara, o presidente do Senado, o ministro da Fazenda, e a ministra Simone Tebet, do Planejamento, ordenou esse processo. Não é a reforma dos sonhos, mas é a possível, é a reforma tributária que se permite fazer neste momento. Isso não impedirá que ela seja aperfeiçoada e melhorada no futuro.

O setor de serviços tem reclamado muito da proposta. Tem ainda a questão do Imposto Seletivo para produtos da cesta básica, que também tem dado algum ruído.

O setor de serviços tem razão no clamor que tem feito, e também o setor alimentício e supermercadista em relação à cesta básica. Mas eu percebo uma sensibilidade do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), como presidente do Congresso Nacional e do Senado, e do senador Eduardo Braga (MDB-AM), como relator da comissão que delibera sobre a reforma tributária. Percebo que avançam os entendimentos para compreender as necessidades de ajuste, sobretudo nos serviços, que é o setor da economia brasileira que tem o maior volume de pessoas com carteira assinada, e que mais rapidamente pode empregar também.

Há um grande debate sobre tratar a Amazônia como um bem global, no qual entram questões de investimento. Qual seria a melhor maneira de se investir e preservar a Amazônia?

Primeiro, adotando o diálogo como principal bandeira. Impor condições não é um bom caminho, dialogar é a alternativa correta. Esse diálogo pode estabelecer princípios para uma grande regra de Pagamentos sobre Serviços Ambientais, o chamado PSA, que é bastante razoável que seja colocado como pauta para que países como os da União Europeia, mais Estados Unidos, Canadá e Japão possam contribuir com o governo brasileiro, com a causa ambiental, com o PSA.

Como isso beneficiaria o país?

Nós temos uma população expressiva de brasileiros, notadamente ribeirinhos e caboclos, além de indígenas, que vivem na Região Norte e precisam sobreviver. Não é razoável imaginar que, em nome da preservação ambiental, essas pessoas tenham que sacrificar suas vidas, sua renda, seus filhos, sua capacidade de sobrevivência. Eles têm que ser remunerados. Têm que saber que a sua remuneração pode estar assegurada por fundos nacionais e internacionais que permitam a eles compreender que é melhor ter a árvore de pé do que deitada. Esse é um bom caminho, e é viável.

Nesta semana tivemos um encontro do presidente Lula com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto e foi a primeira conversa entre eles depois de vários ataques que o presidente do Banco Central vem sofrendo do governo federal. Como o senhor vê essa questão, há espaço para reduzir os juros no Brasil?

Primeiro, quero louvar o diálogo. Esse é o melhor caminho, não a confrontação, o emparedamento de quem quer que seja. O Banco Central tem autonomia, o presidente do Banco Central é um homem sério, de princípios e de propósitos, tanto é que o diálogo com o ministro da Fazenda foi preservado durante esses primeiros nove meses do governo Lula. O Banco Central apresentou uma nova perspectiva de crescimento do país, de 2% para 2,9%. Isso é uma boa notícia, traz melhores perspectivas para a economia brasileira, que, até aqui, tem estado sob controle, porque o Banco Central estabeleceu a correta e cuidadosa postura de manter taxas de juros ainda elevadas, mas já no caminho da redução. Isso amplia a geração de emprego.

O senhor acredita que a democracia brasileira está plenamente recuperada ou ainda existem cuidados que precisam ser tomados?

Não temo em relação à democracia brasileira. Ela é forte, é estável, mas exige cuidados. Ela foi ameaçada recentemente no 8 de janeiro, isso é fato. A população brasileira gosta e quer democracia. O presidente Lula, mais uma vez, pode ser o grande guardião dessa estabilidade democrática, quanto menos enfrentamento for formulado, quanto menos enfrentamento em relação ao que passou este ano, liberando a questão política, ele poderá liderar o Brasil para todos os brasileiros, não apenas aqueles que o elegeram presidente da República.

Fale um pouco sobre o livro João Doria: o poder da transformação.

Esse livro não foi escrito por mim, então estou muito à vontade para falar dele, e sim pelo Thales Guaracy. Ele já está na segunda edição e reproduz um pouco da minha história, não só como prefeito de São Paulo, governador de São Paulo, mas também a minha história pregressa. Eu comecei a vida como modesto office boy de uma agência de publicidade. Todos os recursos do livro eu doei para a Pastoral da Rua, do padre Júlio Lancelotti. O livro é bom e tem o prefácio de um grande e querido amigo chamado Fernando Henrique Cardoso, um dos grandes presidentes do Brasil.

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