Cape Verde
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Sweet Daddy Grace: O cabo-verdiano que “evangelizou” a América

Há pouco mais de 100 anos, o pastor evangélico bravense Marcelino Manuel da Graça, mais conhecido pelo seu nome americano, M. ‘Sweet Daddy’ Grace, depois de trabalhar como cozinheiro nos caminhos de ferro do sul dos Estados Unidos, abria a sua primeira igreja pentecostal, a United House Of Prayer for All People (qualquer coisa como a Casa da Oração Unida para Todos), na cidade de West Wareham, em Massachussetts. O custo total da obra ficou por 39 dólares (fala-se que o próprio assentou tijolos e carregou massa). Mas, 41 anos mais tarde, em 1960, quando morreu, ‘Daddy’ Grace tinha acumulado uma fortuna avaliada em mais de 25 milhões de dólares e criado um culto com 3 milhões de seguidores, espalhados por todo o país.

Nenhum cabo-verdiano, arriscamos dizer, alguma vez acumulou tamanha fortuna. Nos anos que se seguiram à sua entrada no particular mundo dos pastores religiosos, que arrastavam fiéis para dentro de tendas e os baptizava em rios, Grace enfrentou rivais directos, como Father Divine – com quem passou a disputar o ‘favorecimento’ de Deus, junto dos afro-americanos pobres do Bronx e de Harlem – incluindo a fúria racista do Ku Klux Klan. Chegou, mesmo, a ser preso. Mas, no final, o que mais apreciou foi mesmo o seu triunfo sobre Divine.

Grace deu ordens para que o pastor de Nova Iorque fosse imediatamente despejado do seu salão de culto principal (Number One Heaven), na Baixa de Manhattan (depois de comprar o espaço alugado), irritado por este se ter proclamado ‘Deus’. «Ele que vá lá agora explicar, ao seu rebanho, como é que Deus-Todo-Poderoso pode ser posto no olho da rua», disse o cabo-verdiano, triunfante, a uma jornalista.

O Messias

Marcelino – a quem os fiéis irão apelidar de O Messias, ‘possuidor de poderes especiais delegados por Deus, Ele próprio’ – deixou Nossa Senhora do Monte, na Brava, aos 22 anos, numa manhã de 1903, para se juntar aos pais e às duas irmãs, em New Bedford. O apelido da Graça (anglicizado para Grace) iria servir justamente para mostrar aos fiéis como ele já havia sido tocado pela mão de Deus, no seu próprio baptismo. E se mais dúvidas houvesse, que dizer do seu primeiro apelido, Manuel, que, como afirmou, vinha de Emanuel, nome grego que resulta de dois outros, em hebreu: ‘Imannu’ (connosco) e ‘El’ (Deus). O ‘chamamento de Deus’, como ele dizia, chegou-lhe pouco tempo depois de ter chegado à América. Mas, antes disso, o jovem imigrante iria ainda passar pelos campos de Cape Cod, na apanha de cranberries, de costas dobradas, ao lado de outros ‘Bravas’ e ‘Fogos’, acabados de chegar das ilhas.

E foi durante as suas viagens pelo Sul, já como cozinheiro num vagão-restaurante, que Marcelino testemunhou, pela primeira vez, o poder da voz, da oratória e dos sermões, ao assistir a reuniões religiosas em tendas, nos campos dos arredores das cidades. Marcelino ainda mal falava o inglês, mas já tinha encontrado o seu caminho. Ao regressar, abandonou a mulher, Jennie, e os filhos, Norman e Irene. Nos anos que se seguiram, já como pastor, agora conhecido como Bispo M. ‘Sweet Daddy’ Grace, visitou a Palestina, o Egipto e viajou pela Europa, Brasil, México e Cuba. Mas percorria, sobretudo, os Estados do sul da América.

Visitava cidades, como Buffalo, New Heaven, Nova Iorque, Filadélfia, Wilmington, Baltimore, Washington DC, Newport News, Norfolk, Winston-Salem, Charlotte, Columbia, Augusta, Savannah e Miami, durante o Verão, para os seus banhos de multidão, pregar e baptizar os fiéis, que não paravam de aumentar. E para quem pensava que a United House Of Prayer iria sucumbir, com a morte de Grace, após a mão pesada do fisco americano (milhões de dólares sonegados em impostos), enganou-se redondamente. Na verdade, o estilo de gestão da Igreja, o culto da personalidade, a extravagância e excentricidade deixadas pelo Bispo crioulo, fariam escola, seguidos à risca pelos próximos líderes. Inclusive as acusações de extorsão espiritual e a acumulação de propriedades à custa do dinheiro dos fiéis – doados com a maior das felicidades.

Joaquim Arena

 Leia a matéria na integra na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 821, de 25 de Maio de 2023

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