Por: César Garcia
Seguindo a deixa, creio um deputado jamais tem como missão “denunciar” situações dessas e quanto menos aproveitar-se de processos que se encontram em averiguações para “esbanjar” no púlpito da Assembleia Nacional ou na Comunicação Social, pois isso é um julgamento público e uma grande afronta ao sistema judicial. Creio que das missões fundamentais de um deputado é verificar situações, averiguar se for necessário e fazer tudo para más situações sejam sancionadas politicamente, mas sobretudo judicialmente.
Não é por menos do que o povo diz do político, embora este representa e é a boca do povo – será que o povo fala mal de si mesmo? Aproveitando a deixa, muitas bocas há por aí, sempre sujeitas à verificação. Mas como dizem “a voz do povo é a voz de Deus”, e que “não há fumo sem fogo”, não é por demais partilhar algumas dessas “bocas” com a malta.
Se são fatos ou se são especulações há sempre como provar, pois são questões relevantes que não devem ficar por “conversa de comadre”. Uma “mancha” pode rapidamente colar num dirigente, quanto muito seja um dirigente político que tem responsabilidades acrescidas.
É normal que qualquer pessoa que consegue um rendimento “lícito” pode construir patrimónios com a sua poupança, inclusive por recurso às Instituições Financeiras. O que não é normal é aproveitar-se da situação para conseguir patrimónios sob a “capa” da posição que ocupa enquanto gestor, especialmente quando gestor da coisa pública.
Um funcionário público, um gestor público, um dirigente político, pode, como qualquer outro, conseguir ter prédios e bons em “zonas nobres”, carros “top de gama”, contas bancárias recheadas, vida de lord, e isso tudo depende, quase sempre, da sorte da vida. O anormal é se se conseguir tudo isso sem que seja através de suas poupanças, inclusive por herança ou donativos, recursos a Instituições Financeiras, e com os seus rendimentos sempre a crescer e sem mexer.
Durante as minhas travessias de vida, nas minhas limitadas convivências, pude deparar-me com algumas situações que vale a pena, já agora, partilhar:
(1) Um autarca, que antes não tinha nem eira e nem beira, num mandato de 4 (quatro) anos conseguiu um grande prédio, com piscinas e tudo mais numa das zonas nobres da Ilha de Santiago. Aproximando a época de campanha, no pressuposto que ia perder, adquiriu uma viatura “top de gama”, viatura essa que nunca utilizou e se encontra depositada na garagem de um familiar até esta;
(2) Um dirigente político construiu a sua “casa de campo” no interior da ilha de Santiago. Para garantir a água que tanto falta faz levou para sua casa um grande depósito de inox que pertencia a um projeto público já desativado. Para eletrificação de sua casa uma empresa pública teve que enviar para lá uma equipa de estagiários, com todo o recheio, para fazer a montagem de energias renováveis (e deve ter recebido a fatura pelo serviço embora não tenha pago, mas também como sendo uma experiência isso passa);
(3) todos os dirigentes políticos, inclusive familiares e amigos muito próximos, praticamente, dependendo da cor política em gestão, têm prédios, ou pelo menos reservas de terrenos, em zonas mais nobres de suas regiões, adquiridos a preço de saldo, alguns por aforamento;
(4) Em tempos que já la vão, num convício ameno, umas pessoas me perguntaram como era possível eles trabalhando numa casa particular em Palmarejo constavam da folha de salários na construção de um estádio;
(5) Em serviço numa Câmara Municipal, encontrei-me com um amigo, que há muito não nos víamos, perguntou-me onde parava e eu lhe disse. Então reportou-me que tinha um contrato com aquela Câmara Municipal para construir a casa particular do Chefe numa zona nobre num outro Concelho;
(6) Essas são algumas situações de “dizeres dos outros”. Mas temos vários casos que vieram ao público mas que ficaram por entender, como foram (a) caso do autarca levado a Tribunal que ficou impune por o colega testemunhado que a situação “irregular/ilegal” era “praxi” para todos os outros colegas; (b) dirigentes que aproveitam de funcionários para fazer os seus serviços pessoais, como tomar/levar familiares à escola, às compras, ao trabalho, aos pick-niks, até o descaramento de levar presos para fazer seus trabalhos particulares; (c) funcionários públicos, sobretudo de fiscalização, inclusive políticos, a ocuparem terrenos/propriedades alheias para construções clandestinas, etc etc etc.
Se tudo dito antes, e outros que não se mencionou, não é verdade ao todo, boa parte desse dito traz uma boa pinga de verdade. E qualquer correspondência com a verdade é pura coincidência, senão ficção!!
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 808, de 23 de Fevereiro de 2023