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Subversão e talento de Vini Jr. derrubam mito da superioridade branca imaginada pelos europeus

Vinicius Jr. reage aos ataques racistas no jogo do Real Madrid contra o Valência pelo Campeonato espanhol. (Foto: Reprodução)

No frigir dos ovos o que ficou é o seguinte: basta Vinicius Jr. tocar na bola nos gramados espanhóis para o mito da superioridade racial ser demolido mais um pouco. E novamente eclodir contra alguém de cor negra mais ódio e intolerância.

“Os ataques contra o jogador vão desde a percepção da impunidade até o desabafo das dificuldades que as sociedades contemporâneas estão passando”, diz Zulu Araújo, doutor em Relações Internacionais, mestre em Curtura e Sociedade e ex-presidenta da Fundação Palmares no 2o governo do presidente Lula.

“Muito desse ódio é despertado pela revolta daquele que está na arquibancada, por conta da sua situação econômica, social e até mesmo afetiva, diante do sucesso de alguém que ele considera um ser inferior”.

Neste bate papo com o DCM, Araújo conta como, no fundo, boa parte da nossa história ocidental foi forjada pela força. Pela submissão. Pelo subjugo. Pelo ódio.

Leia a entrevista:

DCM – Existe um padrão de discriminação racial mais amplo na sociedade espanhola que pode estar contribuindo para esses incidentes de racismo no futebol?

Zulu Araújo – Há uma grande dose de cinismo dos europeus e dos espanhóis, em particular, na abordagem da questão racial em seus domínios. Isto porque, tanto o racismo europeu quanto o espanhol são inerentes à formação desses povos.

O racismo e a discriminação dos europeus aos povos não brancos no mundo inteiro justificaram não só a colonização, como as guerras e a escravização de milhões de pessoas na África e nas Américas.

Desde 1.550, após um Debate na Companhia das índias, entre dois grandes sacerdotes católicos espanhóis, Bartolomeu de Las Casas e Juan Ginés Sepúlveda que a Espanha adotou o racismo e a violência como mecanismos morais e legais para suas conquistas.

Era a chamada Guerra Justa. Aprovada tanto pela Igreja Católica quanto pelo Império Espanhol.

O resultado disso foi a morte de mais de 30 milhões de indígenas na América Latina, sendo 20 milhões só no México comandado pelo genocida espanhol Hernan Cortez, que é cantado em prosa e verso pelos espanhóis até os dias atuais.

Além disso, não esqueçamos: foram os europeus os responsáveis pela  introdução do tráfico de escravos transatlântico.

O caso de Vinícius Jr não é isolado nos estádios, mas a sensação é de perda de controle da situação.

O fenômeno do racismo nos estádios de futebol não é algo novo nem estranho as manifestações coletivas de povos que tiveram formação fascista, como a Espanha e o próprio Brasil.

É fruto da compreensão que foi difundida durante séculos, pelos países europeus de que os brancos são seres superiores, que suas religiões são superiores, sua moral é superior e por isso mesmo têm a missão divina de comandar a humanidade, a partir dos seus interesses.

Essa não é uma tese formulada por pessoas ignorantes ou más intencionadas. Ela sustentou o colonialismo, as invasões e guerras movidas pelos europeus contra o resto do mundo e o desenvolvimento capitalista.

É uma tese das elites europeias e que continua viva até os dias atuais.

Vinicius Junior nada mais é do que um catalizador desse ódio racista, porque diferentemente dos demais jogadores, também vitimas, resolveu enfrentar e não minimizar a gravidade da questão.

É um jovem corajoso e que merece não apenas nosso respeito, mas nosso total apoio.

Quais fatores sociais contribuem para a manifestação de atos racistas em eventos esportivos?

São muitos. Vão desde a percepção da impunidade até o desabafo das dificuldades que as sociedades contemporâneas estão passando.

Zulu Araújo (Imagem: arquivo pessoal)

Muitas vezes esse ódio é despertado pela revolta daquele que está na arquibancada, por conta da sua situação econômica, social e até mesmo afetiva, diante do sucesso de alguém que ele considera um ser inferior.

Mas, creio ser algo mais complexo e que está intimamente ligado ao processo que a elite europeia, no primeiro momento e a norte-americana posteriormente, desenvolveu para justificar a expansão capitalista no mundo.

Para tanto, contou com a colaboração e participação ativa das religiões de matriz cristã, que chegaram mesmo a anunciar que os não brancos não possuíam alma, não eram seres humanos e que por isso mesmo, não podiam, nem deviam ser tratados como tal.

Não esqueçamos do racismo cientifico que afirmava e justificava cientificamente, durante quase três séculos que a raça branca estava no topo da pirâmide humana.

Como o racismo afeta não apenas os jogadores diretamente envolvidos, como Vinícius Jr, mas também a comunidade negra como um todo?

Sendo o futebol um esporte coletivo que atrai multidões no mundo inteiro e que gera ascensão social, política e econômica, qualquer coisa que ocorra nesse espaço possui dimensões globais.

Portanto, atinge não somente o jogador, mas a família do jogador, os torcedores, os patrocinadores e o esporte como um todo.

Não podemos esquecer de que o futebol é o esporte mais popular do mundo, por conta disso não apenas a comunidade negra é atingida, mas a sociedade como um todo, particularmente, aqueles que são antirracistas.

Portanto, reagir de forma contundente contra o racismo no futebol, é mais que um direito, é obrigação de todos aqueles que combatem o preconceito.

Quais são as consequências sociais desse incidente para a imagem da Espanha como um país tolerante e inclusivo?

Boneco de Vinicius Junior enforcado em ponte de Madri (Imagem: reprodução)

As consequências dependerão muito do grau de força e mobilização que os protestos contra o racismo no futebol espanhol tenham mundo afora, em particular no Brasil.

A resposta tem que ser do tamanho da que ocorreu com o assassinato de George Floyd.

Porque o que estão fazendo com Vinicius Jr é um assassinato racial em praça pública.

Repito, a Espanha como um todo, nem muito menos a La Liga, são inocentes nesse episódio, eles sabem da gravidade e estão propositalmente tergiversando.

O racismo na Espanha é algo constitutivo da nação e por isso mesmo precisa ser enfrentado no dia a dia pelas autoridades competentes, particularmente em suas manifestações coletivas.

Temos que cobrar do Governo Espanhol, da Federação de Futebol Espanhola, da sociedade espanhola que deem um basta nessa crescente onda de ataques que vem ocorrendo.

Como a mídia e as redes sociais podem influenciar a percepção pública e a resposta ao racismo no futebol?

São as grandes ferramentas de comunicação do mundo contemporâneo, por isso temos que fazer uso delas de forma intensa, correta e responsável.

Sem Fake News, mas alertando a sociedade para o crime que é o racismo, para o dano que ele causa aos seres humanos de qualquer raça ou etnia e o ódio que ele transmite ao se manifestar.

Vinicius Junior precisa ter em cada um de nós que é antirracista, um aliado na sua luta até porque essa luta não é apenas dele, mas de todos aqueles que desejam viver numa sociedade fraterna, respeitosa e minimamente igualitária.

Quais medidas ou políticas podem ser eficazes para combater e prevenir futuros incidentes semelhantes?

Em primeiro lugar, os dirigentes dos clubes precisam assumir a responsabilidade sobre as chamadas torcidas organizadas, que têm sido um antro de disseminação da violência mundo afora.

Em segundo lugar, os patrocinadores precisam desassociar suas marcas das manifestações racistas.

Em terceiro, os governos por meio de suas instituições jurídicas e policiais e as organizações esportivas, por meio das suas instituições, precisam identificar, processar e punir os autores dessas atitudes criminosas de forma rigorosa.

E, por fim, é necessário que tenhamos campanhas educativas em todos os níveis para combater o racismo no futebol.

O governo brasileiro acenou com a possibilidade de usar o Código Penal para aplicar a lei brasileira contra os ataques racistas ao jogador do Real Madrid: é um caminho? 

Governos podem muito, mas não podem tudo.

Governos podem promover processos de inclusão no mercado de trabalho, combater a intolerância religiosa, regulamentar e apoiar as comunidades remanescentes de quilombos, punir os racistas, etc., mas, ainda assim, para que tenhamos um ambiente seguro e livre, levará muito tempo.

O racismo está impregnado nas sociedades ocidentais.

Para alcançarmos essa etapa, que ainda está no campo da utopia, teremos que contar com apoio de toda a sociedade, além de um sistema ágil e eficiente para a punição de todo e qualquer ato racista e isso será uma construção coletiva.

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