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Os privilegiados não podem determinar o tamanho do espaço público

privilegiados não podem determinar tamanho espaço público

Pessoas aguardam distribuição de comida no centro (Imagem: Tânia Rêgo | ABr)

Anderson Pires*

Essa semana participei de um programa na Rádio Mangabeira FM 104.9, em João Pessoa, para um papo sobre democracia, autonomia universitária e outros assuntos que naturalmente apareceram. A conversa foi bem legal e descontraída, sem nenhuma pretensão de academicismos ou de reproduzir a posição de algum segmento específico.

Durante uma hora, trocamos opiniões entre pessoas que resolvem debater sobre as questões que já citei, mas sem qualquer viés corporativista. Afinal, nenhum dos presentes faz parte de qualquer corporação e, assim, como qualquer cidadão, expomos conceitos que deveriam ser debatidos por todos.

A universidade pública foi o principal assunto junto com uma série de temas correlatos. Lembrei de muitas situações que vivi quando militava no movimento estudantil, das diferentes lutas e conjunturas que tivemos ao longo desses 30 anos. Falamos da realidade dos anos noventa com a ameaça de fechamento de universidades, até o cenário completamente diferente que temos hoje com o setor privado responsável pela grande maioria das vagas e sob controle de grupos internacionais.

Em meio a esse tema, expus minha opinião de que a política de cotas foi um grande avanço, mas que precisamos ter uma postura mais radical. Não se pode conceber que num país com tanta desigualdade, os espaços públicos sejam ocupados por quem tem condições econômicas melhores do que aqueles que estudam em faculdades privadas e buscam financiamento bancário para custear.

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Qual justiça existe em pessoas de baixa renda ou na linha de pobreza custearem a gratuidade do ensino superior das classes médias e altas e ainda terem que pagar para cursar no setor privado? Temos mais de duzentos milhões de pessoas que custeiam a educação superior brasileira sem passar nem perto de um campus universitário público. Logo, defendo que 100% das vagas no ensino superior público sejam destinadas a quem não pode pagar e que a divisão respeite cotas e nível socioeconômico.

A proposta pode chocar muita gente. Afinal, grande parte das pessoas que compõem a classe média brasileira teria dificuldade para pagar por um curso superior privado. Temos um país em que o 1% mais rico da população está na faixa dos que ganham mais de 15 mil reais. Se tomarmos um estado como a Paraíba, no Nordeste do Brasil, essa média cai para cerca de 8,6 mil reais. Considerando os preços das mensalidades, a exclusão por renda no Brasil é gigantesca.

Ter a dimensão do tamanho da exclusão que existe no nosso país é um exercício dos mais difíceis. Porque temos uma comparação que beira a abstração de tão grande que é a desigualdade. Por mais que as pessoas se deparem com cenas de pobreza e fome, a maioria absoluta dos excluídos está marginalizada e invisível aos privilegiados.

Porém, enquanto os espaços públicos continuarem a ser ocupados por parcelas da sociedade que não sejam as mais vulneráveis o limite do acesso dos mais pobres será o estabelecido pelas cotas. Diante da situação absurda de desigualdade que temos, passaremos séculos para ter mobilidade social considerável que possa mudar o quadro de exclusão e concentração de renda que temos no Brasil.

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Contraditoriamente a essa perspectiva, as propostas do executivo e legislativo apontam para redução dos espaços públicos, com regras fiscais que determinam limites vinculados as metas de superavit que atendam ao mercado, para que, só depois, possam existir investimentos em áreas como saúde e educação. Resumindo, se sobrar será dada a ínfima parte aos mais pobres.

Nessa lógica nunca teremos transformações radicais no Brasil. Porque a maior parcela do Estado continuará a serviço da desigualdade. Só teremos uma compreensão diferente quando os privilegiados perderem o status de proprietários do setor público. Enquanto o acesso ao ensino superior público for visto como um mérito e não um privilégio, as mudanças seguirão em passo lento e, talvez, nunca surtam efeito prático.

Certamente, quando os recursos do Estado forem destinados na sua totalidade para diminuir a desigualdade, os que defendem a redução ou fim dos serviços públicos terão uma percepção diferente. Enquanto o dinheiro público continuar a ter como principal destino o pagamento de juros e até servir para financiar faculdades privadas de medicina, seguiremos nessa cruzada liberal que nunca irá mudar a desigualdade em que vivemos.

*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.

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