Brazil
This article was added by the user . TheWorldNews is not responsible for the content of the platform.

Juros consumem quase um quarto dos impostos pagos por todos contribuintes, por Lauro Veiga Filho

Juros consumem quase um quarto dos impostos pagos por todos contribuintes

por Lauro Veiga Filho

A carga tributária bruta atingiu um recorde no ano passado, com o total de impostos, contribuições e taxas pagos por todos os contribuintes passando a corresponder a qualquer coisa próxima de 33,7% de todas as riquezas produzidos pelo País em um intervalo de 12 meses, medidas pelo Produto Interno Bruto (PIB). No ano anterior, o peso dos impostos havia alcançado algo ligeiramente abaixo de 33,1% do PIB, na estimativa mais recente da Receita Federal do Brasil. Mas o número de fato poderia ser utilizado para aferir apropriadamente o tamanho do Estado no País? Seria essa a medida mais acurada?

Há controvérsias e polêmicas em relação a uma resposta conclusiva a respeito, entre outros motivos porque uma parte importante daquela carga tributária retorna aos contribuintes (e aos não contribuintes) sob a forma de benefícios previdenciários e sociais, subsídios e incentivos fiscais diversos e ainda por meio dos saques ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS/Pasep, gerando o que alguns economistas e especialistas em contas públicas classificam como carga tributária líquida (que não é calculada pelo governo desde 2017).

Outra parcela, que não entra no cálculo dessa carga tributária líquida, está nas despesas explosivas com o pagamento de juros aos donos da dívida pública. Essa despesa, no entanto, não está sujeita a decisões do Congresso Nacional, que em tese representa os eleitores, e depende praticamente com exclusividade de decisões do Banco Central (BC) e de seu Comitê de Política Monetária (Copom), numa posição reforçada pela aprovação recente da autonomia funcional da autoridade monetária.

Para complementar, o gasto com juros restringe a capacidade dos governos (União, Estados e prefeituras) de executar políticas públicas em benefício principalmente dos menos favorecidos e também de executar investimentos, com efeitos deletérios ainda sobre decisões privadas de investimento e sobre a atividade econômica como um todo. São despesas que beneficiam uma parcela mínima da população, estacionada entre os muito ricos, o que resulta em maiores disparidades sociais, concentração de renda e das riquezas disponíveis.

Peso crescente

Os dados da Receita e do BC, referentes a 2022, mostram que os governos em todos os níveis arrecadaram em torno de R$ 3,342 trilhões, em valores nominais (quer dizer, sem atualização com base na inflação). Daquele total, perto de R$ 734,913 bilhões, algo como 7,41% do PIB, foram destinados ao pagamento de juros, num tipo de despesa que não contribuiu para que a economia gerasse um único emprego ou produzisse um mísero parafuso. Ao contrário, o mais provável é que o arrocho monetário em curso (quer dizer, a cobrança de juros estratosféricos) tenha inibido a produção de bens e mercadorias, impedindo a criação de novos empregos ou mesmo gerando perdas de vagas. A despesa com juros, numa conta raramente apresentada pelas correntes de economistas que sustentam o pensamento hegemônico no País, representou precisamente 21,99% de toda a carga tributária, diante de 16,98% em 2021, quando o gasto com juros havia alcançado R$ 499,308 bilhões diante de uma carga tributária bruta de R$ 2,941 trilhões.

Na comparação entre os dois períodos, sempre em valores nominais, enquanto a carga total de impostos avançou 13,63%, os juros saltaram 47,19% na saída de 2021 para 2022. As despesas com juros, além do mais, cresceram a um ritmo mais de quatro vezes superior à variação nominal do PIB no mesmo intervalo. Mantidas nos níveis atuais, as taxas de juros tendem a agravar enormemente o cenário fiscal, ao assumir proporções extravagantes em relação ao tamanho da economia, num “risco fiscal”, para repetir o jargão dos “doidos por ajuste” (entenda-se, corte de despesas), muito mais relevante do que a própria despesa primária (que não inclui o gasto com os juros).

Carga estimada

As informações disponíveis permitem estimar qual teria sido a carga tributária líquida até 2021, já uma parcela dos dados referentes a 2022 será divulgada mais para o final deste ano. Numa simulação do autor, que utiliza sempre dados oficiais, divulgados pela Receita Federal, Secretaria do Tesouro Nacional e BC, a carga líquida teria chegado a 18,37% do PIB em 2021, avançando em relação a uma fatia de 15,66% em 2018, mas ainda sem considerar os números do PIS/Pasep e privilégios tributários concedidos a instituições privadas sem fins lucrativos. Por isso, os números são ligeiramente superiores àqueles calculados pela Receita e pelo Tesouro em 2017, última informação disponível, que estimava a carga tributária líquida em 14,40% do PIB.

O avanço de 2,71 pontos percentuais sobre o PIB entre 2018 e 2021 foi mais intenso do que a variação de 0,57 pontos registrada pela carga tributária bruta, que saiu de 32,48% para 33,05%em igual intervalo. Essa discrepância pode ser explicada pela redução proporcional dos recursos de impostos que foram devolvidos às famílias e às empresas pelos governos em todos os níveis.

Os benefícios da Previdência Social e dos regimes próprios de Previdência, que pagam pensões e aposentadorias a servidores públicos civis e militares, baixaram, respectivamente, de 8,37% para 7,97% do PIB e de 5,01% para 4,04%. No primeiro caso, a redução pode estar associada às reformas sofridas pela Previdência Social nos últimos anos, reduzindo proporcionalmente o pagamento de benefícios a aposentados e pensionistas.

Também entre 2018 e 2021, os saques do FGTS como proporção do PIB baixaram de 1,59% para 1,34%. Houve recuo igualmente para as despesas com a Renda Mensal Vitalícia (RMV) e demais benefícios incluídos na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que recuaram de 0,80% para 0,76% do PIB. O abono salarial pago a famílias vulneráveis e com deficientes físicos em seu meio, da mesma forma, encolheu de 0,25% em 2018 para 0,11% em 2021, resultado das políticas “liberalizantes” adotadas no período. Já como parte do ajuste fiscal intentado no mesmo intervalo, o gasto com subsídios em todas as esferas do setor público baixou de 0,34% para 0,14%.

Arrocho nos benefícios

Na soma de todos os benefícios e subsídios, os governos devolveram em torno de R$ 1,307 trilhão aos brasileiros em 2021, correspondendo a 14,68% do PIB, o que se compara com R$ 1,178 trilhão em 2018 (em valores não atualizados), correspondendo a 16,82% do PIB. A redução, no caso, correspondeu a 2,14 pontos percentuais, dos quais 1,94 pontos (ou 90,7% do “ajuste” total) saíram da redução de pagamentos de benefícios previdenciários e sociais.

No mesmo período, a conta dos juros foi elevada de 9,86% do PIB para 12,76%. Descontada mais essa despesa, os governos tiveram disponíveis para outros gastos e investimentos apenas 12,76% do PIB em 2021, algo como R$ 1,135 trilhão para pagar todas as demais contas. Em 2018, a carga tributária efetiva, num conceito desenvolvido inicialmente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para aferir o volume de recursos de fato à disposição dos governos, havia sido de 9,86%, mostrando um avanço, até 2021, de 2,90 pontos percentuais. Entre outros fatores, a despesa com juros havia recuado de 5,80% em 2018 para 5,61% (-0,19 pontos), ao mesmo tempo, como visto, em que benefícios previdenciários e sociais e subsídios igualmente registraram baixas.

Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. A publicação do artigo dependerá de aprovação da redação GGN.

0 Comentário

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.