

Enquanto todas as fibras da América Latina se rebelam a cada novo acontecimento, o Observatório de Geopolítica da TVGGN tratou na segunda-feira (4) de questões sociopolíticas que nesta e nas últimas semanas afetaram países da Terra do Fogo à Guatemala.
Para os participantes da primeira live do Observatório de Geopolítica, mediado pelo cientista político Pedro Costa Jr., a América Latina está, de um modo geral, numa situação de retrocesso, violência política (sobretudo eleitoral) e atravessando situações políticas atuais desdobradas, sobretudo, a partir destas primeiras décadas do século XX. Por que chegamos a isso?
Victoria Villarruel, candidata a vice-presidente da Argentina pelo La Libertad Avanza, partido de extrema-direita liderado por Javier Milei, organizou um ato na Assembleia Legislativa de Buenos Aires na segunda para homenagear as vítimas do que chama de “terrorismo” por parte de grupos políticos que enfrentaram a Ditadura Militar (1976-1983) no país.
O jornalista e cientista político Bruno Lima Rocha, em análise sobre os desdobramentos para as eleições de outubro, entende que o ato de Villarruel pode ser entendido como uma ação de campanha, sofrendo oposição nas imediações da Assembleia Legislativa com manifestação contida pela polícia.
Para ele, a situação segue imprevisível no quadro eleitoral, com Javier Milei tendo vencido as PASO, eleições prévias, e os candidatos Sérgio Massa, apoiado pela esquerda e centro-esquerda, e Patricia Bullrich, candidata da direita, buscando vaga no segundo turno.
Promessas impossíveis
“Estou chocada com a Argentina. Custo muito a acreditar que os argentinos vão eleger esse sujeito. Espero que o Sergio Massa se eleja. Milei é um absurdo, um psicopata, irresponsável. A Argentina está muito pobre, não é possível que aceitem o que ele propõe para destruir o Estado”, analisa Angelita Matos Souza.
Angelita é professora do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), onde compõe grupos de pesquisa. Ela entende que, por outro lado, uma coisa é Milei prometer o que vem prometendo, como romper relações com a China; outra é cumprir.
“Radicalidade do discurso não garante que ele vai conseguir. O Bolsonaro prometeu privatizar tudo, e não conseguiu. Com a China, Bolsonaro também disse que iria romper. Não chegou nem perto disso. No caso da Argentina, como rompe esse laço comercial?”, indaga.
Ocorre que para a professora apenas imaginar a eleição de Milei é possível conjecturar uma tragédia em um país com problemas severos, que teriam melhor tratamento caso Sergio Massa consiga chegar à Casa Rosada, onde hoje ocupa o cargo de ministro da Economia.
“Sergio Massa não é o candidato ideal, está responsabilizado por essa crise, e é também uma escolha ruim, mas tenho esperança de que ele ganhe as eleições”, diz. O cientista político Bruno Lima Rocha concorda com a professora, e demonstra as limitações do governo Alberto Fernandez.
“Os efeitos do macrismo não foram combatidos devidamente pelo Alberto Fernandez, em que pese seu governo seja bem melhor ao de (Mauricio) Macri. Mas o dinheiro do FMI (Fundo Monetário Internacional, pedido na gestão Macri) se foi e a inflação ficou”, estende a observação o cientista político.
Violência política
Angelita se pergunta como Milei enfrentará os debates eleitorais, prestes a começar, onde ele não tem capacidade para debater com Massa e até mesmo Bullrich – algo parecido com o que aconteceu com Jair Bolsonaro no Brasil nas eleições de 2018, e mesmo em 2022.
Lima Rocha, por sua vez, lembra que na América Latina dos últimos anos o imponderável se mostrou ponderável recentemente e cita o caso Equador com o assassinato do candidato Fernando Villavicencio e atentados a bomba. “Nós não sabemos se os candidatos chegam vivos ao término do segundo turno”, diz.
Ele explica que no Equador a violência eleitoral modificou o quadro assim como tirou Bolsonaro dos debates em que ele se sairia mal, ou mudou o destino de Cristina Kirchner com a morte do promotor de justiça Alberto Nisman, em janeiro de 2015, que levou políticos da oposição na Argentina a falarem em “medo” em relação ao “submundo” político no país.
Já o jornalista chileno Tebni Pino Saavedra, que do Chile participou da live, leva a discussão para as raízes atuais da violência política na América Latina, quando no final da Segunda Guerra Mundial foi criado o Pacto de Defesa no hemisfério Ocidental tendo ele articulado todos os golpes militares subsequentes no continente.
Guatemala: ruptura democrática
Os três participantes da live concordaram que a eleição do mês passado na Guatemala rompe o poder oligárquico que se apossou do país com o golpe militar de 1954. Na ocasião, a primeira ação golpista da CIA na América Latina, o presidente destituído pelos golpistas é Jacobo Árbenz Guzmán.
Bernardo Arévalo, do partido Semilla, ganhou as eleições com 58% dos votos e o Ministério Público (MP) tenta, desde o primeiro turno, anular a candidatura, e agora a posse, alegando que o Movimento Semilla fraudou assinaturas para validar o seu partido político que levou Arévalo à Presidência.
A posse será em janeiro e manifestações ocorrem quase diariamente no país pedindo a renúncia de integrantes do MP e garantias democráticas para que a posse ocorra. A Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Itamaraty, por exemplo, já emitiram comunicados pedindo que o resultado das urnas seja respeitado.
Demais situações
Para Tebni, outras situações são preocupantes. “Na Venezuela temos uma indefinição. Já na Nicarágua, bem, não podemos defender Daniel Ortega. A saída comercial com a Rússia e a China coloca o país próximo do Brics, mas internamente há opressão e o trabalho é controlado pelo partido de Ortega”, diz.
Ele revela ainda que os sandinistas mais velhos, em sua maioria, não apoiam Ortega e tampouco concordam com suas medidas. O que, por outro lado, torna a geopolítica continental mais complexa. Caso diferentes, mas também complexo envolve a Bolívia.
Em vista das próximas eleições, Luís Arce, atual presidente, e Evo Morales estão divididos. Para a professora Angelita, as diferenças de ambos estabelecidas publicamente fortalecem a direita no país boliviano. Mas para a professora, falta a Evo discernimento.
“A palavra que melhor descreve (Evo Morales) é falta de noção, responsabilidade, compromisso com o processo boliviano, com o povo boliviano. Se o Arce quer continuar, o Morales tem que respeitar. Aqui no Brasil teve o caso da Dilma: Lula poderia impor, mas decidiu respeitar que Dilma queria ir à reeleição”, finaliza.
ASSISTA AO PROGRAMA COMPLETO:
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.