

do Observatório de Geopolítica
A bandeira tricolor e os ventos fortes
por Felipe Bueno
O fato de uma obra de arte do tamanho da Trilogia das Cores completar trinta anos me faz recorrer novamente ao cinema como meio de entender as pessoas e o mundo.
Bleu, Blanc e Rouge (A Liberdade é Azul, A Igualdade é Branca e A Fraternidade é Vermelha) são três filmes lançados pelo cineasta polonês Krzysztof Kieślowski entre 1993 e 1994. Europeus nos cenários e universais no modo como tratam as relações humanas.
Estamos nos primeiros anos da década de 1990. Os euros ainda não fazem parte da realidade dos cidadãos. Aliás, uma moeda de dois francos tem um papel simbólico relevante em um dos filmes. Em outro, uma jovem modelo sai de casa diariamente e compra um jornal – de papel! Sua rotina também inclui de tempos em tempos correr desesperadamente para abrir o apartamento e atender o telefone – fixo – que ouve tocar do corredor do prédio. Outros tempos, tempos nos quais seria possível viajar de avião dentro de uma mala.
Ainda que o sol pouco se faça presente nos três filmes, é uma época iluminada no Velho Continente. Ou, pelo menos, havia potência e esperança para tal. O muro de Berlim e o socialismo real tornavam-se passado, e havia uma grande expectativa pelos primeiros passos de uma Europa unida superando suas diferenças – ainda que estas aparecessem e fossem responsáveis por parte dos dramas pessoais de alguns personagens.
Homens e mulheres se deslocam pelas ruas de Paris, Varsóvia ou Genebra. Movem-se também entre as existências de outros homens e outras mulheres, submetem-se às limitações e as possibilidades do tempo e do entorno, coerentes com os valores que permeiam os títulos das obras e com um modelo de certa maneira óbvio porém nebuloso de mundo ideal. Que revelou-se impossível, pouco tempo depois.
Mais uma vez cometo a falha, um pouco deliberada, reconheço, de escrever um texto não conclusivo. Seria impossível e também desonesto extrair algo além de uma vontade inconsolável de retornar a esses tempos em que era verossímil que um compositor erudito criasse uma obra para celebrar a união dos países europeus. Me ocorre também um inevitável lamento pelo que veio depois e ainda vivemos. A tragédia dos Bálcas estava por chegar e outras subsequentes vieram, como a que testemunhamos ainda hoje por obra de Vladimir Putin. O sonho talvez tenha acabado. Ou desde sempre era apenas uma ficção, como um CD de Van Der Budenmeyer numa loja de Genebra.
Felipe Bueno é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte.
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